Estar em um folhetim era um desejo que Camila vinha maturando. O convite veio exatamente da equipe que a lançou na telinha: o diretor José Luiz Villamarim e a autora Manuela Dias, que repetem a dobradinha em Amor de mãe. “A gente estava nesse desejo de estar junto, e eu sempre sinalizando que estava muito afim de fazer novela. A gente tem esse diálogo artístico em processo e aí eles me convidaram para fazer a Amanda”, conta em entrevista ao Correio.
Outro ponto que a fez querer entrar para Amor de mãe foi a personagem. “A proposta foi algo que chama muito ao meu desejo de contribuir. Ela é uma personagem superintensa, cheia de caminhos, num projeto artístico cheio de profissionais que são interessantes e que eu admiro. Então foi lindo poder fazer parte”, completa.
Amanda começou a trama terminando o namoro com Danilo (Chay Suede), filho de Thelma (Adriana Esteves), alegando que o jovem era muito dependente da mãe, e deixando claro que tinha um mistério, um rancor criado no âmbito familiar que conduz todas as ações da personagem, seja nas relações, seja nas atitudes, principalmente, às ligadas ao ativismo ambiental. “Ela é muito movida pela questão pessoal de vingança. Ela acaba se aliando ao ativismo ambiental porque ele está ali colocando a sede de vingança nela. É uma luta que ela acredita. Mas, no interior, ela está movida mesmo pelo desejo de vingança, que vem muito junto com esse senso de justiça dela”, afirma.
Superação de medos
Para dar vida a uma personagem tão destemida, que pilota moto e está à frente de manifestações, Camila precisou se superar e enfrentar os próprios medos. “Amanda é certamente um grande desafio para mim, por diversos motivos. Primeiramente, por ser a minha primeira novela, que é uma outra relação com o personagem, com a história, é uma obra aberta — que é uma experiência que nunca tinha tido antes. Está sendo um grande aprendizado. No mais, tive que começar fazendo aula de moto, que, para mim, já é um desafio gigante, porque costumo falar que mal ando de bicicleta”, conta.
“Na verdade, descobri que essa foi, talvez, a preparação mais importante que tive para ela (tirar a carteira de moto). Porque mexeu muito com o meu sentimento de medo. Eu tinha uma série de travas físicas, que são de construção de medo que eu tenho a vida toda, e precisei romper um pouco para me disponibilizar para essa personagem, que é extremamente destemida, livre de qualquer medo. Ela está ali totalmente aberta e radicalizando as fronteiras do perigo. Então, as aulas de moto foram um processo de descobrir esse outro corpo, esse outro estado, de me desafiar mesmo”, explica.
Camila acrescenta que foi um aprendizado prazeroso e, que, esse tipo de coisa é o que a faz gostar tanto de ser atriz. “É aquele tipo de coisa que eu amo na minha profissão. Eu jamais faria isso enquanto pessoa física, mas a profissional me permite explorar tantas vidas que eu não viveria”, avalia.
Histórias representativas
Integrar o elenco de Amor de mãe é um grande reencontro na carreira de Camila. Em primeiro lugar, por voltar a trabalhar com a dupla Villamarim e Manuela. Mas não só por isso. A novela é, de certa forma, um resgate ao trabalho que marcou a carreira da brasiliense, o filme Que horas ela volta?. A começar por estar no mesmo elenco que Regina Casé, que viveu a mãe dela no longa-metragem de Anna Muylaert. Depois, por conta da história da novela, que se assemelha em alguns sentidos da trama da produção cinematográfica.
“Acho muito bonito enxergar um pouco dessa extensão do Que horas ela volta? na novela. É claro que é outra história, mas como a própria Regina declara, é uma inspiração. Lurdes é uma derivação da Val e, de alguma forma, a Camila (personagem de Jéssica Ellen) poderia ser uma eventual Jéssica (papel de Camila Márdila na fita) no mundo, no conceito da história, da filha de uma empregada ter conseguido estudar. A novela começou ali de onde parou o filme, nessa via da história. Então, acho muito bonito a continuidade dessa história que foi tão representativa, de um contexto social nosso”, comenta.
Contar histórias que importam é que o move a candanga na escolha das produções em que vai trabalhar. Todas as personagens vividas pela atriz nos últimos anos carregam uma mensagem forte e fazem parte de tramas densas. “Toda a minha trajetória é marcada por buscas. Por profissionais que admiro, por compartilhamento de linguagem, por isso que eu digo que é uma via de mão dupla. Claro que sempre vou me aproximar de quem compartilho a maneira de olhar o mundo criativamente, ou que eu tenha interesse de conhecer, como novidade. Acho que meu apaixonamento pelos projetos acaba acontecendo muitas vezes quando tem algo que eu acredito que precisa ser dito, quando eu realmente acredito que vou ver uma história que eu quero que esteja no mundo. Acho que a minha profissão está, para além do aparecer fazendo uma personagem. Nunca fui leviana, digamos assim com o fazer artístico, sempre fui muito comprometida, então gosto de estar envolvida em projetos que estejam comprometidos com algo que se acredita ser importante de ser feito e de estar no mundo”, explica.
Outro projeto que a atriz que segue essa linha é a série Onde está meu coração?, produção do Globoplay a ser lançada ainda em 2020. De Luisa Lima, diretora do núcleo de Villamarim na Globo, a trama parte da história de Amanda, personagem de Leticia Colin, uma médica dependente química. Camila interpreta Vivian, uma mulher rica e privilegiada que se envolve com o marido de Amanda, Miguel (Daniel Oliveira). “A série toda trata disso (da dependência química). Ela é toda filmada em São Paulo e lida com essas fragilidades humanas nesse contexto de metrópole, de vida dedicada ao trabalho, engolida pela cidade e pelas demandas e a maneira como cada um acaba encontrando como sobreviver e fugir um pouco dessa realidade”, revela.
Por conta da rotina atribulada na novela, Camila está afastada momentaneamente dos cinemas. Mas está com alguns projetos em vista. No momento, o desejo da atriz é voltar aos palcos com a peça Naquele dia vi você sumir, do grupo que ela faz parte com mais três artistas, Areas Coletivo (RJ/SP), e que teve uma temporada no ano passado no Rio de Janeiro. “A gente pretende reestrear em São Paulo e onde mais a gente conseguir. Seria lindo conseguir estar um dia em Brasília, mas os espaços estão tão escassos e as possibilidades tão limitadas, que não está dando conta nem da demanda da cidade, então quem dirá dessas outras... E tenho também alguns filmes quando a novela acabar, que eu torço para que eles aconteçam. A gente está vivendo um momento um pouco instável, mas estamos comprometidos em seguir fazendo, de alguma forma, a gente vai dar conta”, garante.
Três perguntas // Camila Márdila
Novela é uma trama aberta, mas o que podemos esperar da Amanda na trama?
A Amanda tende a ficar cada vez mais radical nas suas ideias, mas assertiva nas ações que ela acredita que precisam ser tomadas para que as coisas acontecem de outra forma. Ela está no limite do suportável do que ela vê de errado no poder. Ela tem esse desejo de destruir algumas estruturas. Ela tem cada vez menos o senso de perigo. A gente pode esperar por aventuras intensas e fortes emoções. Ela vai passar e já tem passado por traumas muito intensos emocionais, e isso acredito que vai transformando muito uma pessoa. É quase uma mutação mesmo, que ela sofre a cada momento que ela ressurge na história. Isso vai fazer com que ela empreenda num caminho muito ardiloso.
Amanda tem essa dualidade, que é uma característica do personagens de Amor de mãe, que não são mocinhos completamente bonzinhos e vilões completamente maus. Como você vê isso?
A Manuela Dias e toda a direção, a partir do texto dela, tem essa visão. Acho incrível estar numa novela das 21h, que dá um outro desenho de mundo e de vida para o espectador, que é ter esses personagens que existem, que são totalmente possíveis, que são falhos, que acertam e erram. Ele não está ali em busca de uma reprovação ou aprovação moral e ética. Ele está ali vivendo sua vida da maneira que dá, com o julgamento próprio de quem está vivendo sua vida. Não como uma alegoria construída dentro de funções narrativas do bem e do mal. É uma narrativa muito mais humana e complexa.
E as questões de ética?
As questões morais, éticas, emocionais e afetivas são mais elásticas, vão e voltam, se reposicionam, e isso, principalmente na extensão que uma novela tem, é extremamente rico de possibilidades, de inovação e de caminhos, que surpreendem. Estou muito impressionada com o nó na cabeça que esses personagens dão. Todos têm algum ponto que parecem ser bonzinhos e tem uma falha. O que a gente tentaria tomar como vilão, a gente tem o momento que simpatiza com ele. Tem essa maleabilidade que faz o espectador trabalhar a mente também. Ele não está ali só recebendo porrada e informações impostas por uma dramaturgia. Ele está ali também precisando trabalhar sua ideia, seu olhar. Acho isso muito construtivo de se ver numa obra artística televisiva.