Os elogios irrestritos ao escritor Machado de Assis e aos seus contos e novelas são multidão. Um que se destaca é do também ferino Monteiro Lobato, gênio editorial, homem público de primeira linha, autor de muitos contos extraordinários e criador da nossa literatura juvenil.
Falando da origem humilde: “E vendeu balas em tabuleiros, e ajudou missas com coroinha, e fez-se tipógrafo - meio de ainda no trabalho manual ir aperfeiçoando sua cultura nascente. Aproxima-se dos letrados, ouve-os com respeito, assimila o que pode... Aprender foi a sua primeira paixão, e vai aprendendo sobretudo a observar o jogo de marionetes entre si, na eterna luta miudinha da vida - a enganarem-se mutuamente, a pensar uma coisa e dizer outra..”
E mais: “Sobe. Firma o lado econômico da vida acarrapatando-se ao Estado. Compreende bem cedo que no Brasil só como funcionário público teria o sossego da ausência de cuidados materiais, propício à realização do seu sonho instintivo — perpetuar-se na forma de um nome.”
E no seu estilo irreverente, porém sempre agudo, o pai de Emília manda mais esta: “Machado ensinou o Brasil a escrever com limpeza, tato, finura, limpidez. Criou o estilo lavado das douradas pulgas do gongorismo, do exagero, da adjetivação tropical, do derramado, na enxúndia, da folharada intensa que esconde o trono e o engalhamento na da árvore”.
Para encerrar, escolhemos ficar com um trecho do artigo de Mário de Alencar, filho mais moço de José de Alencar, espécie de filho adotivo de Machado, considerado por todos aquele que chegou mais próximo do coração do homem que escreveu, em Memórias póstumas de Brás Cubas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.
Conta Mário de Alencar: “Um dos seus grandes sentimentos, nesses últimos dias, foi o que ele próprio chamou, no Memorial, de ´orfandade às avessas´. Chega a não entender mais o pensamento derradeiro de Brás Cubas e tinha saudade dos filhos que não tivera. Sentia, e não se vexava de confessá-lo, inveja de quem os havia, não importava em que número. O essencial, o bom era tê-los para a animação e consolo da vida, particularmente da de um solitário como ele de alma e corpo”.
E segue o arguto e sensato Mário de Alencar: “Tinha e não tinha razão. Nada é absoluto, e eu refletia sem dizer-lho que os filhos, se podiam, se haviam de ser o consolo de sua velhice, podiam ter sido um tropeço ao escritor nos primeiros tempos de sua vida... Como o pai doente e apreensivo, suportaria os pavores das moléstias dos pequenos e cuidaria do futuro deles? E como havia de aumentar os recursos da subsistência? Seria um pai carinhoso e dedicado e acrescentaria os seus bens para alimentá-los e educá-los; mas o escritor seria vencido e sacrificado pelo pai, e a literatura brasileira não possuiria talvez as melhores obras que ele deixou, concebidas e escritas com o vagar e o amor da arte”.
Só mesmo alguém que teve como “pais” dois monstros das letras conseguiria falar com tanta sensibilidade da luta essencial, sempre mencionada por todos os escrevedores daqui e de alhures — a luta entre o feijão e o sonho.(LC)
Escritor por escritores - Machado de Assis segundo seus pares
Hélio de Seixas Guimarães. Ieda Lebensztayn. Imprensa Oficial de São Paulo, 402 páginas