Não foi da noite para o dia que o diretor Bong Joon Ho, 50 anos, nascido em Daegu, viu a carreira decolar, em Hollywood, à frente do estrondoso sucesso Parasita, indicado a seis prêmios Oscar. Alardeado no Festival de Cannes (França), em 2019, como uma “tragicomédia impiedosa e cruel”, Parasita faturou, por unanimidade, a Palma de Ouro. Numa carreira com mais de 26 anos, Joon Ho já apostou em filmes sobre criminosos, em fitas protagonizados por monstros e ainda no filão da ficção científica. Perplexo, dada a visibilidade no corredor dos indicados ao Oscar, Joon Ho explicou, ao Los Angeles Times, que percebe o atual momento como uma “realização pessoal” pronta a dar uma “contribuição para toda uma indústria”. Com Parasita, pela primeira vez, uma produção sul-coreana foi colocada no mapa da meca norte-americana.
“Um passo em falso, e parece que vou acordar de um sonho”, disse o diretor, à imprensa internacional, quando da indicação, comemorada com a degustação de sorvetes. A jornada solitária (de um diretor) normalmente atribuída à escalada de uma fita na divulgação no exterior veio com sabor diferenciado: um “time” respalda as indicações, e traz, num pacote, profissionais de Parasita, valorizados em crescente. Foram selecionados para categorias como edição (Jinmo Yang), desenho de produção (Ha-jun Lee e Won-Woo Cho), roteiro (feito ao lado de Jin Wan Han) e direção (do próprio Bong Joon Ho, claro).
Tratando de fissura social — há entrechoque de dois clãs de origens financeiras diferenciadas —, Parasita é a obra de um autor que, segundo lista de especialistas de cinema, está entre os 25 mais importantes diretores de cinema do século 21. Como apontam críticos, há espaço para a bipolaridade no andamento do roteiro. Tratado pelo diretor como “uma comédia sem palhaços; uma tragédia sem vilões”, o filme levou o diretor a disseminar, pelo mundo, uma nota em que, textualmente, implorou o freio em spoilers por parte da imprensa. Luxo confrontado com pobreza sustentam a trama dos pobres vividos pela dinastia Ki-Taek e os perdulários integrantes da família Park.
Um dado interessante em Parasita é o de a geografia, desde a localização da moradia dos pobres, atuar contra esses personagens deserdados da trama. Sem julgamento moral, o diretor explora os artifícios de ascensão, por meios bem questionáveis, dos indivíduos menos privilegiados. Parasita é o 11º filme de produção internacional a disputar o prêmio de melhor filme e está entre seleto grupo de seis títulos a estar, simultaneamente, candidato à conquista de melhor produção internacional e de melhor filme, nos Oscar. Quando vencedor da categoria de melhor filme estrangeiro, na recente cerimônia do Globo de Ouro, Joon Ho ressaltou que a disposição à quebra de resistência na leitura de legendas (por parte dos espectadores norte-americanos), traz a possibilidade de descoberta de “filmes incríveis”. Parasita, como esperado, traz surpresas como uso de sátira social e traz guinadas de humor, em meio a denso drama.
Filho de peixe...
Na tradicional família do cineasta, pesou o pendor pelas artes: enquanto o pai é desenhista, o avô foi destacado escritor. Tudo bem diferente da esfera da família pobre de Parasita, que se afunda na chuva e sofre preconceitos como o de ser comparada à sujeira e ter “o cheiro” identificado com o de “gente do metrô”, como reforça o roteiro. Um dos pontos altos do filme está ainda na interpretação do reconhecido ator Song Kang-Ho (que vive um patriarca). Formado em sociologia, em Yonsei, o diretor cultuava cineastas como Edward Yang (As coisas simples da vida), Hou Hsiao-Hsien (A assassina) e Shohei Imamura (Água quente sob uma ponte vermelha). Todos influenciaram a entrada dele na Academia Coreana de Artes Cinematográficas, trampolim para, com um filme feito em 16mm, ter chegado aos festivais de Vancouver e de Hong Kong. Antes do ápice, com Parasita, Joon Ho, em 2008, cravou parceria, em Tokyo, com diretores como Michel Gondry e Leos Carax (respectivamente, dos filmes cult O brilho eterno de uma mente de sem lembranças e Holly motors). O filme competiu em Cannes pelo segmento Um Certo Olhar.
Popular, Joon Ho obteve dois sucessos repletos de bilheteria na Coreia do Sul — em 2006, emplacou o ponto máximo, com O hospedeiro, e em 2013, com a adaptação do texto francês do romance gráfico Les Transperceneige. Curiosamente, o Capitão América das telas da Marvel, Chris Evans, está no elenco de Expresso do amanhã, feito há cinco anos.
Mesmo com o atual chamariz, à prestigiosa revista Variety, o diretor desconversou sobre uma migração de seu talento para as fitas de super-heróis. Fã confesso de James Gunn (responsável por Guardiões das Galáxias) e do Logan de James Mangold, o cineasta se disse desconfortável em presenciar a “justeza dos uniformes” dos atores do filão. “Acho que a Marvel não optaria por um diretor como eu sou... É uma indústria que parece complicada, mas, ao mesmo tempo, bem simples para os diretores”, comentou.
Mundo dá voltas
Estar no Oscar levou o diretor Bong Joon Ho a apontar pessoas que lamentou não terem sido contempladas com indicações. As lacunas recaíram sobre o longa da descendente de chineses Lulu Wang, à frente de A despedida; e os diretores, irmãos, Benny e Josh Safdie (de Joias brutas, estrelado pelo não indicado Adam Sandler). O Oscar ainda ativou um projeto novo (nos primeiros passos) para o diretor que expandirá Parasita, sob encomenda para a HBO, como série que terá assinatura do produtor Adam McKay (de Succession). Sondado no exterior, Joon Ho comparou à possibilidade de trazer um desdobramento de “alta qualidade”, a exemplo do que foi feito com o longa de Ingmar Bergman (Fanny e Alexander, de 1983) saído de inicial vertente televisiva (na Suécia).
As indicações ao Oscar trazem embutidas um dado interessante. Pedro Almodóvar (concorrente, por Dor e glória, a melhor filme internacional — como rebatizada a categoria, pelos votantes do Oscar) sempre foi cineasta de inspiração para Bong Joon Ho. “Ele é um realizador respeitável, e sempre adorei seus filmes”, chegou a dizer. Mas, é o mesmo Almodóvar que, como presidente do júri do Festival de Cannes, há dois anos, contestou a capacidade do longa Okja (de Joon Ho, e concorrente a prêmios) de disputar, dada a distribuição ser da Netflix, e haver “incoerência”, na falta de exibição nas salas de cinemas francesas. Outro dado curioso na carreira do diretor sul-coreano é o de, há nove anos, ter integrado júris de festivais renomados como os de Sundance e, em Cannes, ter capitaneado o segmento Caméra d´or.
Frutos da Ásia
Bom termômetro para notar tendências e valorização de cinematografias, o rol dos candidatos a premiações internacionais importantes, entre as quais, as dos Festivais de Cannes e de Berlim, vieram favorecendo uma onda de produções asiáticas. Na 69ª edição, o Festival de Berlim apostou na premiação da performance do casal de atores centrais da obra chinesa So long, my son (de Wang Xiaoshuai), a atriz Yong Mei e o ator Wang Jingchun. Competiu ainda o filme do chinês Wang Qua´an, chamado Ondog. Um ano antes da consagração de Parasita, no Festival de Cannes, a leva de produções asiáticas já havia sido anunciada: além de Assunto de família (do japonês Hirokazu Kore-Eda) ter levado o prêmio central, em 2018; outro filme visto no Brasil, no ano passado, foi o chinês Longa jornada noite adentro (Bi Gan), que competiu no segmento Um Certo Olhar. Vencedor do prêmio da crítica, Lee Chang-Dong foi representante sul-coreano com Em chamas, tendo por competidores diretores de filmes como o chinês Jia Zhangke (Amor até as cinzas) e o japonês Ryûsuke Hamaguchi (Asako I & II).
Impacto na visão de Joon Ho
Parasita (2019)
Uma ardilosa família de desempregados fecha o cerco em torno de um clã endinheirado e algo inocente capitaneado pelo empresário do ramo da computação, o senhor Park. Faturou o prêmio máximo, no Festival de Cannes.
Okja (2017)
Porcos gigantes são distribuídos, mundo afora, numa experiência que pretende revolucionar a alimentação em escala global. Com muito apego à dócil Okja (exemplar da espécie geneticamente modificada), uma menina que vive com o avô, em meio à natureza, fará sacrifícios extremos, a fim de interferir no destino do animal de estimação. Concorreu à Palma de Ouro (Festival de Cannes).
Expresso do amanhã (2013)
O desmantelamento do ambiente natural para o ecossistema traz consequências impensáveis para a humanidade. O degelo implicará em castas para a sociedade, mas, o desfavorecimento econômico de alguns trará pesada revolta. Jamie Bell, Chris Evans e Tilda Swinton estão no elenco.
Mother: a busca pela verdade (2009)
Viúva mãe de um rapaz infantilizado pretende repor a atuação de advogado pouco eficiente em livrar o filho da inesperada acusação de criminoso. O título integrou a mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes.
O hospedeiro (2006)
O terror finca morada quando um monstro de proporções agigantadas, às margens do rio Han, coloca em risco a vida de uma menina que tem familiares dispostos a resgatá-la, a qualquer custo. Votado um dos dez melhores filmes, pela influente Cahiers du Cinéma.
Memórias de um assassino (2003)
Em 1986, os crimes cada vez mais elaborados de um serial killer acentuam os desafios para dois investigadores de limitada experiência.
Cão que ladra não morde (2000)
A ação drástica de um professor desgosto com a falta de limites de animais num condomínio surtirá inesperadas ações dos personagens centrais.