Diversão e Arte

Gestão compartilhada dos espaços culturais do DF supre deficiências

Implementado em 2018, o modelo de administração em espaços culturais do DF ainda enfrenta obstáculos


Em 2018, com a reabertura de espaços públicos fechados há cinco anos, como o Centro de Dança e o Espaço Cultural Renato Russo, e o lançamento de novos equipamentos — os complexos de Planaltina e Samambaia —, a Secretaria de Cultura e de Economia Criativa iniciou um novo modelo de gestão em parceria com organizações da sociedade civil, estabelecido em edital, com o objetivo de estimular políticas culturais.

A iniciativa é vista pelas organizações como uma forma de diversificar a oferta para o público e abrir espaço para a comunidade artística, oferecendo locais para residências, oficinas, ocupação e disseminação da arte. Apesar de ser um modelo que se mostra eficaz, movimentando a programação cultural dos locais, a partir das experiências em quatro centros culturais do DF, ainda são necessários ajustes, já que os contratos são relativamente curtos, em média, de 12 meses.
 
Para o secretário de Cultura Bartolomeu Rodrigues, o modelo de gestão compartilhada tem sido uma boa alternativa, assim como funciona em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. “A modalidade supre deficiências do estado, como, por exemplo, para a captação de investimentos e intervenções de maneira direta. Contudo, por ser uma experiência relativamente nova, está sendo objeto de uma avaliação para que se possa aperfeiçoar todos os mecanismos de uma boa parceria”, ponderou.

Em dezembro de 2018, o Instituto Bem Cultural (IBC), organização da sociedade civil, assumiu a gestão do Espaço Cultural Renato Russo. “Foi uma experiência singular para o Instituto de fazer a gestão de um espaço cultural de grande complexidade, com diversas expressões artísticas. Ficamos muito felizes de ver que a gente consegue fazer um trabalho de qualidade e com a aprovação da população que frequenta e da comunidade artística. Superou as nossas expectativas”, comenta a presidente do IBC, Roseane Braga.

No decorrer dos 12 meses de gestão, Roseane relembra que o aprendizado foi constante e a produção conjunta, mesmo que haja diferenças entre as partes. “Tem que haver uma relação de confiança em cima do plano de ação que foi pensado e concebido em conjunto. As decisões precisam ser calcadas na confiança de que os dois lados vão fazer o que está combinado e é preciso manter o foco na objetividade e, principalmente, no público”, avalia a presidente. Em 2019, 99.760 frequentaram o espaço; 187 oficinas foram realizadas, além de exposições e apresentações.

Com contrato finalizado em dezembro de 2019, a secretaria renovou o acordo por mais seis meses. Contudo, em razão de questões jurídicas do próprio Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, a pasta só pode disponibilizar 25% do total dos recursos de R$ 800 mil. “Conseguimos prorrogar as atividades até abrir por um valor de R$ 200 mil e, neste período, nosso desafio é captar recursos de outras fontes para permanecer na gestão até o fim do ano”, explica Leonardo Hernandes, coordenador geral do IBC. A secretaria discute internamente um modelo mais longo.

Por meio de emendas parlamentares e leis de incentivo fiscal, o objetivo do IBC é recolher a verba necessária para disponibilizar uma programação gratuita e completa, como ocorreu em 2019. “Além de recuperar um legado deixado pelo TT Catalão, de ser um espaço de formação, de cuidar do equipamento cultural e de oferecer o acesso à cultura, buscamos disponibilizar um espaço de qualidade para a produção brasiliense carente da Sala Martins Penna e para o público. Não queremos mudar nosso modelo de gestão”, justifica Hernandes.

Nas pesquisas mensais de satisfação de público, a organização reuniu as queixas da comunidade e, aos poucos, procurou atender. Cadeiras foram instaladas na sala multiuso, o galpão ganhou arquibancadas móveis e Hernandes conta que já estão em negociação com a secretaria para instalar um café no espaço. “Buscamos oferecer tanto um bom serviço ao artista quanto ao público que vem. Acho que conseguimos manter uma qualidade da produção, fomos homogêneos e isso gerou segurança no público”, comenta.

Manutenção


Na avaliação de Hernandes, seria interessante para os próximos editais ter um detalhamento maior a respeito dos papéis da secretaria e da organização, além de metas projetadas a partir do dia a dia da gestão e da própria produção cultural da cidade. Também não é possível desvincular a manutenção do espaço da programação. “A arrecadação interna é algo que a secretaria também precisa discutir. Conseguimos gerar um recurso com bilheteria que foi importante para a manutenção e a melhoria do equipamento.  Com isso, a gente tem uma agilidade na resolução de determinados problemas que a gestão pública não tem. As licitações demoram e o edital de manutenção sai oneroso para a pasta. Com recursos próprios, conseguimos uma manutenção com sustentabilidade”, pondera.

Complexos culturais


Inaugurados no segundo semestre de 2018, os complexos culturais de Planaltina e de Samambaia também aderiram ao formato de gestão compartilhada. Subordinadas à secretaria, as OSCs ficam responsáveis pela cultura e pela programação dos complexos, atividades que passam pela abertura de editais de chamamento e de ocupação, disseminação da programação e formação de público, enquanto o órgão é responsável pela administração e logística dos equipamentos públicos, além das demandas espontâneas, quando a própria população busca o espaço para realização de eventos.

Nas duas regiões administrativas, as organizações da sociedade civil contam com um recurso de R$ 550 mil, cada uma, para ser usado durante o período do edital, que, se encerra no primeiro semestre de 2020. Em Planaltina, a vigência do contrato com o Instituto Lumiart vai até março. Em Samambaia, o encerramento da gestão compartilhada do Imaginário Cultural está previsto para maio. Até lá, as OSCs precisam cumprir o plano de metas propostos no edital e ainda concluir uma contrapartida no valor de R$ 150 mil — cada um — em benfeitorias e equipamentos nos complexos.

O prazo pode ser renovado por até 12 meses a partir da assinatura de um termo, caso haja interesse da Secretaria de Cultura. “Todos os contratos passam por avaliação a fim de fiscalizar se há o cumprimento do objeto, bem como a entrega das contrapartidas previstas. Cada uma dessas parcerias será analisada no tempo adequado para aferição dos resultados, de maneira que o recurso público empregado em cada um dos espaços seja investido de maneira transparente e em benefício da comunidade”, esclarece o secretário.

“Tem sido um primeiro ano difícil, o que é compreensivo. Mas tem sido muito interessante conhecer a comunidade e estabelecer esse diálogo. Temos um plano de trabalho muito amplo, que estamos cumprindo. Toda semana temos sarau; fazemos o Complexo em Movimento, evento em que remuneramos a classe artística; fazemos edital de chamamento todo mês; lançamos o edital de shows de talentos; fizemos 96 horas de cineclubes; fomos o complexo com mais sucesso no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro”, avalia Nubia Santana, responsável pelo Instituto Lumiart.

Durante o ano de 2019, o espaço recebeu um público de 23 mil pessoas para participar de saraus, cineclubes, encontro de folia de reis, batalha de rimas, e mostra de dança, de acordo com dados do gerente do Complexo Cultural de Planaltina, Júnior Ribeiro. Oficinas e atividades formativas também fazem parte da programação do local. Para este ano, estão previstas a continuação da batalha de rimas às sextas, o Sarau da Diversidade, sessões de cinema gratuitas a partir do dia 15 e algumas exposições, como a demonstrativa de resultados das oficinas de artes plásticas.

“Apesar das dificuldades, porque a verba não é suficiente para as demandas, conseguimos algumas parcerias e está no pleito a questão acústica do espaço e o ar condicionado, que devem ser a nossa contrapartida”, explica Nubia. Mesmo assim, a agitadora cultural avalia como positiva a experiência da OSCs no complexo. “A alegria que a gente tem de dar oportunidade para as pessoas, compensa. Temos pessoas de 6 até 86 anos fazendo as oficinas, indo nos eventos. Planaltina é uma região com muitos artistas. O nosso desafio é trazer o público. Tem o fator da distância, tem o fator das pessoas não estarem acostumadas. Mas estamos sempre criando estratégias, como arranjando ônibus, promovendo aberturas com coquetel, e dando oportunidade de trabalho”, acrescenta.
 
 

Formação


No Complexo Cultural de Samambaia, o ano de 2019 teve público de mais de 15 mil pessoas em eventos, como shows, espetáculos, concertos, festivais e cantatas, e mais de 500 pessoas envolvidas nas ações formativas, como oficinas, residências, workshops, cursos e palestras, segundo dados do gerente do espaço Danne Viana Silva. “A gente procura trabalhar da melhor forma possível para que o usuário imediato, que é a comunidade de Samambaia e da região — porque a gente recebe pessoas de Ceilândia, do Recanto das Emas e de Taguatinga —, possa usufruir do espaço. Durante 2019, a gente ofereceu inúmeras oficinas, cursos profissionalizantes, teatro musical, cultura popular, canto coral, balé, tivemos os editais de ocupação... Agora, estamos com uma oficina de frevo. Vamos ter uma oficina de teatro para o Enem e de técnico de som e iluminação, porque Brasília tem uma deficiência muito grande nessa área. E estamos com uma programação no dia 18 com exibição do filme Bacurau, com a Vitrine Filmes”, explica Marília Abreu, do Imaginário Cultural.

Para Marília, o grande desafio na gestão tem a ver com uma particularidade do complexo, que tem muitos espaços e o edital exige um plano de trabalho mínimo em todas as áreas. “O recurso é aparentemente grande, quando você pensa no montante de R$ 500 mil, mas o Complexo de Samambaia é muito maior, com cinco salas de aula, galpão multiuso, cine teatro, sala de teatro, área e externa. Então, tem que ter muito jogo de cintura, porque é imprescindível que aconteça (o número mínimo de atividades). E em Samambaia, se tratando de um espaço muito novo, a cidade ainda não tem o hábito. Então tem que mobilizar a cidade e formar plateia. Realmente, a gente precisa sambar para alcançar todas as metas que quer cumprir, até porque o Imaginário nasceu aqui, estamos na cidade desde 2011 tentando fortalecer e estabelecer a cultura local. Requer muita responsabilidade e desejo de realização para que a comunidade aprecie mais, porque a arte é transformadora”, analisa.

Fim do modelo


Até dezembro de 2018 e por 10 meses, a programação do Centro de Dança do DF foi conduzida pela pasta em parceria com a organização social baiana Conexões Criativas. Com orçamento total de R$ 600 mil, a instituição desenvolveu, no período, ações em três linhas curatoriais: dança e memória; dança e diversidade e dança e infância.

Ao todo, foram realizadas 187 atividades, divididas entre oficinas, aulas, residências artísticas, apresentações, mostras, lançamentos de livros, entre outros. De acordo com divulgação da própria secretaria, cerca de 3,7 mil pessoas passaram pelo Centro de Dança em 2018. O contrato com a organização, contudo, não foi renovado e a gestão passou a ser conduzida integralmente pelo GDF.

A programação é feita de acordo com propostas enviadas por interessados. Enquanto houver espaço e grade horária disponível, o equipamento aceita projetos, que serão avaliados de acordo com a diretriz do Centro e com a demanda da comunidade. Além de locais de ensaios para grupos de dança, são proporcionadas aulas, algumas gratuitas, outras com valores inferiores ao de mercado.

“Está em estudo neste momento um projeto de chamamento público para artistas que queiram ocupar espaços com suas atividades, e, neste caso, voltadas para a dança, aproveitando a experiência de como o centro funcionou para ampliar o acesso da comunidade”, afirma o secretário.
 
 
Dênio Simões/Agência Brasília - Complexo Cultural de Samambaia
Ed Alves/CB/D.A Press - Centro de Dança do DF