Diversão e Arte

Disco 'Evolução' do Plebe Rude se desdobra em espetáculo musical

Ao Correio, vocalista da banda fala sobre o trabalho ser dirigido por Jarbas Homem de Mello

Correio Braziliense
postado em 09/01/2020 06:20
Banda surgida no boom do rock em Brasília na década de1980, a  sempre foi referência do movimento punk na capital federal. Diferentemente das contemporâneas Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e Capital Inicial, que obtiveram a consagração popular, a Plebe, sem fazer concessões, teve uma trajetória paralela ao mainstream. Mesmo assim, músicas como Até quando esperar, Censura e Proteção fazem parte do imaginário de muita gente.

A obra da Plebe está registrada em 10 discos, sendo sete de estúdio e três gravados ao vivo. O que se tornou mais conhecido foi O concreto já rachou, de 1985. O mais recente, Evolução – Volume 1, disponível nas plataformas digitais, traz 14 músicas. Três delas, Evolução, A mesma mensagem e Descobrimento da América foram registradas em lyric vídeos; já Nova Fronteira ganhou vídeoclipe. Na faixa título, o ex-jogador de futebol e atual comentarista esportivo Casagrande, fá da banda, faz participação especial.

O álbum físico chega em breve às lojas; enquanto o lançamento do Evolução 2 está previsto para março. Os dois discos integram um projeto ambicioso, que tem como terceira vértice um musical, a ser dirigido pelo encenador Jarbas Homem de Mello. A fase de pré-produção do espetáculo já foi iniciada, mas ainda não há data prevista para ser levado ao palco.

Philippe Seabra, principal compositor, vocalista e cantor da Plebe Rude, é um dos remanescentes da formação original da banda. O outro é o baixista André X. A eles se juntaram posteriormente o guitarrista/vocalista Clemente Nascimento e o baterista Marcelo Capucci. Entusiasta do Evolução, Seabra falou com o Correio o projeto que faz uma reflexão sobre os tempos de agora, marcados pela intolerância. Para ele, músicas datadas, como Censura e Proteção, são assustadoramente atuais. “É a comprovação de que o Brasil mudou pouco desde que começamos. E isso é uma tragédia”.


Philippe Seabra fala sobre o trabalho ser dirigido por Jarbas Homem de Mello

Quase 40 anos depois do surgimento da Plebe Rude, que avaliação faz da trajetória da banda?

No meio do ano faremos 39 anos de banda. O que sempre moveu a Plebe foi a urgência. Muita coisa mudou no Brasil, mas nem sempre para o melhor. A necessidade de ter música contundente e consciente sempre foi a nossa prioridade e na falta de algo assim no mainstream brasileiro faz ainda mais urgente a mensagem da Plebe. Quem sou eu para avaliar a banda, isso deixamos literalmente para a história. Mas se tiver que usar uma palavra, esta seria coerência.


Que período da trajetória da Plebe foi mais marcante, na sua visão?

São tantas histórias e tantos anos de banda que nem saberia por onde começar, mas creio que a entrada do Clemente há 15 anos (2004) é que fez a Plebe viável como conjunto. Tentamos retomar a formação original em 1999, mas todos os problemas de intransigência voltaram. Somente cinco anos depois é que vimos a Plebe ser uma banda de novo e voltamos a ter prazer em tocar.


Qual é a proposta de Evolução, o novo projeto?

Evolução não é de hoje. Eu e o André, baixista e co-fundador da banda, temos a música Evolução há 30 anos sem saber exatamente o que fazer com ela. Tinha muito teclado, a letra era uma história e tinha um tom irreverente (apesar de contundente), o contrário da pegada mais séria da Plebe. Como não entrou no repertório da Plebe, mostrei para o Evandro Mesquita caso tivessem interesse em utilizá-la, mas ele não sentiu que era a cara da Blitz, uma maneira gentil de dizer que não gostou. Então ficou arquivada esse tempo todo. Quase 30 anos!


Quanto  tempo foi gasto entre a criação das músicas e a entrada em estúdio?

Foram quatro meses de pré-produção e ensaio, mais oito meses de gravação no meu estúdio Daybreak aqui em Brasília. Afinal, são 28 músicas inéditas, duas com mais de 10 minutos cada, e várias orquestradas. Deu muito trabalho, mas como técnico de gravação e produtor, considero um projeto muito divertido. Como eu e o André há algum tempo tínhamos uma ideia de algum musical infantil, Evolução caiu como uma luva. Antes, a ideia era de fazer músicas impactantes sobre o universo infantil, mas com uma mensagem forte que poderia ser aplicada a um senso político-social mais amplo, mas sem ser militante ou didático. A Plebe nunca foi militante, e muito menos simplista.


Evolução traz que tipo de reflexão?

É uma reflexão sobre a humanidade e sua incapacidade de aprender pelos erros. Não tem como fugir do comentário sobre o atual momento da humanidade, e do Brasil. Mas como resumimos mais de 200 mil anos de história em 28 músicas, há uma ponta de esperança. Esse momento que estamos vivendo é um grão de areia no arco do tempo e logo passará, sendo visto e julgado pela história como apenas lapso, uma aberração na linha evolutiva para a eventual prevalência do bom senso, do respeito e da convivência no país. Mas a eterna vigilância é sempre necessária para que o bem e a justiça ganhem.


Como surgiu a possibilidade de Jarbas Homem de Mello para dirigir o espetáculo?

Ao terminar as demos das canções, pratica que nunca faço, pois prefiro ensaios a demos, eram tantas músicas não sabíamos exatamente o que fazer com aquilo tudo. Conhecia um ator de Brasília, o Fabio Yoshihara que atuava em musicais da Broadway Brasil, em São Paulo. Liguei para ele e procurei saber como funcionava o meio teatral. Em meia hora o Fávio me pôs em contato com o Jarbas Homem de Mello que, quase instantaneamente, topou dirigir. Logo de cara, ele ajudou a dar mais leveza ao musical, pedindo mais “luz” em algumas músicas e que salientássemos as coisas positivas e conquistas que o homem conseguiu na sua trajetória. Daí, surgiram Vitória” (do Volume 2) e a música mais alegre do espetáculo (e da historia da Plebe) e Um belo dia em Florença, que fala sobre o Renascimento, um momento mágico da humanidade. O Jarbas tinha razão. O lado positivo da saga do homem no planeta tinha que ser celebrado. Até então nos estávamos sendo inconscientemente influenciados — ainda mais sendo de Brasília — pela absurda guinada a direita que o Brasil deu recentemente, mostrando o lado feio, agressivo e intolerante do brasileiro.


O volume 2 de Evolução será lançado quando?

O lançamento será depois do carnaval. A canção épica ( todo musical precisa de um final arrebatador) que encerra o espetáculo se chama O pêndulo da história, que passa dos 10 minutos de duração. O pêndulo vai e vem no balançar natural de sua cadência, as vezes tendendo à hesitação, ficando suspenso em uma das extremidades, como tem ficado nos últimos 15 anos no Brasil. Mas, seguindo as leis da física e do universo o pêndulo eventualmente volta. Infelizmente, foi para o outro extremo. “A terra é plana”, “não há racismo no Brasil”, “rock leva ao aborto e satanismo”, “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Nem para procriador ele serve mais”… Esse nível de ignorância,  intolerância e extremismo simplesmente não se sustenta. A Plebe sempre promoveu o debate por meio de suas músicas. Como pai e cidadão, fico aflito com essa polarização, que só se agrava. E pior, capitaneado por um governo que diz que ama o Brasil, mas que detesta brasileiro e toda sua pluralidade. E assim, esse abismo entre a intolerância e bom senso só aumenta. 


Lançado inicialmente nas plataformas digitais, quando o álbum chega ao mercado no formato físico?

O álbum físico de Evolução chega ainda nesse verão, mas isso é meio novo para a gente. Nos somos da era do vinil, porém sempre nos adaptamos aos novos formatos. Mas ainda é estranho não ter nada físico na mão já no lançamento. Brasil afora os fãs cobram muito isso. Mas é inegável a força de poder apertar um botão e ter o disco imediatamente disponível em todas as plataformas nos quatro cantos do mundo. Eventualmente, além do CD duplo, queremos lançá-lo em vinil, num disco duplo (triplo quem sabe), se não conseguirmos encaixar suas quase duas horas de música no espaço limitado de um disco de vinil. Fora a arte da capa, as letras quilométricas… é muita informação. São vinte e oito canções a serem ouvidas em ordem cronológica.


Há previsão para estreia do musical?

São três etapas que teremos com o projeto Evolução: o disco, o show e o espetáculo. O volume um acabou de sair, e agora estamos em turnê com o show, que começou há duas semanas em São José dos Campos, SP. E não foi à toa que começou no polo tecnológico do Brasil. É um musical que põe as pessoas para pensar, um show da Plebe com um bloco no meio reservado para várias faixas do volume 1. O mesmo ocorrerá com o lançamento do volume 2 nos próximos meses. Já o espetáculo é um processo bem mais elaborado. O Jarbas quer 15 bailarinos/cantores em cena, a Plebe no palco, 150 peças de figurino com 10 trocas durante o espetáculo. Ah, ele quer pessoas penduradas no teto também. Como havia dito, um espetáculo é um processo mais elaborado, mas já está em fase de captação e planejamento.
 
 

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