Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Tantas Palavras

Do amor contente e muito descontente ; I

Iniciei mil vezes o diálogo. Não há jeito.

Tenho me fatigado tanto todos os dias

Vestindo, despindo e arrastando amor

Infância,

Sóis e sombras.Vou dizer coisas terríveis à gente que passa.

Dizer que não é mais possível comunicar-me.

(Em todos os lugares o mundo se comprime.)

Não há mais espaço para sorrir ou bocejar de tédio.

As casas estão cheias. As mulheres parindo sem cessar,

Os homens amando sem amar, ah, triste amor desperdiçado

Desesperançado amor; Serei eu só

A revelar o escuro das janelas, eu só

Adivinhando a lágrima em pupilas azuis

Morrendo a cada instante, me perdendo?

Iniciei mil vezes o diálogo. Não há jeito.

Preparo-me e aceito-me

Carne e pensamento desfeitos.

Intentemos,

Meu pai, o poema desigual e torturado.

E abracemo-nos depois em silêncio.

Em segredo.

Hilda Hilst