Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Narrativas pessoais conduzem artistas em exposições na Referência

Em mostras individuais na Galeria Referência, André Santangelo e David Almeida mergulham em viagens sentimentais

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São duas viagens sentimentais que a Referência Galeria de Arte abriga desde fim de semana. Uma delas em Brasília, à beira do Lago Paranoá. A outra no sertão do Ceará, na região de Crateús. Ambas nascidas de investigações iniciadas há anos e cuja origem tem, também, a ver com a busca de uma identidade.

Com morada e ateliê instalados próximo ao lago, André Santangelo começou a realizar registros da água há mais de uma década. Na época, trabalhava no Museu de Arte de Brasília (MAB), próximo à Concha Acústica, e gostava de captar os registros em fotografia e vídeo das várias nuances da paisagem ao longo do dia e das estações. As séries ; e são muitas ; já renderam algumas exposições e são produto de uma relação com a água que está na vida do artista há muitos anos. ;Meu trabalho, desde o início, tem relação total com a água, com a fluidez. Minha maneira de pensar é totalmente fluida. E tenho meus traumas, já me afoguei algumas vezes, então tenho uma relação intensa com a água. É difícil tirá-la das minhas imagens;, explica.

Para Casa do Lago cheio de mim, Santangelo reuniu um conjunto de fotografias, videoinstalações e fotoinstalações nos quais explora desde o próprio processo criativo até as texturas contidas nas imagens. ;Estou fazendo essa exposição de maneira poética e delicada, com a ideia de tratar a imagem antes de ela virar imagem;, avisa o artista. ;Na exposição, você vê as fotos prontas. Só que, atrás daquela imagem, tem todo um processo, e é a partir daí que vou poetizando. Na verdade, a exposição toda é uma grande instalação. É o processo poético de como chegar nela, o porquê daquela imagem. E criei várias metáforas para isso.;


Como a série é muito grande e abriga mais de uma década de produção, Santangelo queria falar, também, do processo criativo. Por isso, dedicou um tempo a pensar sobre o próprio espaço de trabalho, a realizar registros no ateliê e a organizar uma maneira poética de expor o processo. ;Coloquei-me no lugar de refletir sobre aquele espaço e fui construindo alguns áudios. Fui gravando áudios no ateliê, no caminho ao local que fotografo;, conta.

Nas gravações, ele fala sobre o processo criativo, o que está sentindo na hora. ;É bem sincericídio;, admite. ;E faço muitas anotações também, porque meu ateliê é cheio de livros, fico lendo muito nas minhas viagens e produzo muitas anotações.; Parte desses sons estão na sonorização ambiente da galeria, mas o público poderá também ouvir os áudios em headfones e on-line.

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Família


Foi na busca das próprias origens que David Almeida encontrou os elementos para construir Lindeza, mesmo nome dado à fazenda da família no distrito do Riacho do Mato, no município de Crateús (Ceará). De lá, o artista trouxe paisagens devidamente registradas em 20 pinturas realizadas in loco, mas também histórias colhidas junto à população local, narrativas que acabaram por levá-lo à região do Crato. As histórias familiares, Almeida aponta, são universais, porque remetem a experiências vividas por muitas pessoas da região. E nessas conversas para resgatar as vivências do local, o artista se deparou com o Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, uma comunidade liderada pelo beato José Lourenço, discípulo de Padre Cícero e homem empenhado em criar, nos anos 1930, uma sociedade igualitária e autossuficiente baseada na religião e capaz de plantar o que necessitava para o próprio consumo.

A ideia funcionou, mas a noção de coletividade perturbou o governo do então presidente Getúlio Vargas, que tratou de bombardear e destruir a comunidade. O número oficial de mortos ficou em 400, mas algumas estimativas falam em mais de mil. Inspirado nessa história, Almeida criou uma série de moringas e pequenas esculturas de corpos que estão espalhados pela galeria. ;Os trabalhos em cerâmica falam um pouco sobre essa narrativa, com série de potes e algumas esculturas espalhados pelo chão e que contêm um percurso narrativo que dialoga com as pinturas. E isso não é à toa. Essas histórias esbarram nas histórias contadas no Brasil de hoje;, avisa. ;Fiz as esculturas, porque essas narrativas não cabiam em imagens.;

Casa do Lago cheio de mim, de André Santangelo

Lindeza, de David Almeida

Na Referência Galeria de Arte (202 Norte Bloco B Loja 11, Subsolo). Visitação até 18 de janeiro, de segunda a sexta, das 12h às 19h, e sábado, das 10h às 15h.