João Paulo Zanatto*
postado em 25/11/2019 06:30
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;Quando eles saem de Recife e vão a esta cidade fictícia, Araucária do Sul, ela já causa um frisson, uma estranheza, porque esta cidade representa todo um conservadorismo. O corpo trans de Alice e o sotaque são provocações o tempo todo;, conta Gil Baroni. Com um custo entre R$ 800 mil e R$ 850 mil, o filme, produzido pela Beija Flor Filmes, conta com elenco formado por Anne Celestino, Emmanuel Rosset, Thais Schier, Surya Amitrano, Matheus Moura, Katia Horn, Igor Augustho, Antonia Montemezzo, Amanda Leal, Marcel Szymanski, Cida Rolim, Altamar Cezar e Gustavo Piaskoski.
O cineasta aponta que, apesar de o filme ser uma comédia romântica adolescente, quando se traz um corpo trans para o centro da narrativa gera-se uma reflexão. ;Eu tenho certeza de que o filme tem como mensagem, também, a resistência dos corpos trans, porque não se enquadram nesse binarismo de homem e mulher e com essa imposição que está cada vez mais forte de um conservadorismo que invisibiliza as minorias;, ressalta o diretor.
Construir esta narrativa foi todo um trabalho em conjunto. Baroni revela que trabalhou bastante junto com a atriz que dá vida a Alice, Anne Celestino, que é trans. ;Eu pensei ;como vou contar essa história? Eu sou um homem branco.; Foi a partir do ouvir, ouvindo a atriz que é trans. Eu lembro que cheguei para ela e disse ;nós vamos construir isso juntos, com você;. Cinema é conhecimento, retratar histórias, passar informações sobre determinado assunto. E, neste caso, é sobre uma adolescente trans no Brasil. E ela passou por tudo isso;, revela. ;Nós a ouvimos e trouxemos suas inquietações, a transfobia, trouxemos tudo isso para a narrativa do filme para dar o máximo de verossimilhança. Nós temos que conscientizar essas pessoas que estão perdidas nestes pensamentos conservadores de família e religião. O Brasil é plural;.
Tudo isso é passado de maneira leve. Afinal, é uma comédia romântica adolescente. O diretor aponta que o longa está impregnado de bons diálogos, produzidos pelo roteirista Luiz Bertazzo. E que a imagética do filme é bastante contemporânea, uma espécie de vlog, tudo pensado a partir da mudança contemporânea em que uma câmera na mão é uma constante. ;Hoje nós vivemos essas experiências de filmar tudo, estamos conectados sempre a muitos conteúdos. E a protagonista é uma youtuber, a profissão do futuro. Na minha época, meus ídolos estavam na televisão e no cinema. Hoje, são esses youtubers, os ídolos estão na internet. Todos esses elementos, celular, notebook e memes, fazem parte da linguagem na narrativa do filme;, assinala.
O diretor revela que se inspirou em algumas produções para criar Alice Júnior, como Curtindo a vida adoidado, de John Hughes. ;O protagonista, Ferris Bueller, já tinha aquele toque de olhar diretamente para a câmera;. No entanto, ele revela que as inspirações mais impactantes para este longa vieram de Nicholas Ray, com Johnny Guitar (1954) e Juventude transviada (1955). ;Johnny Guitar, por exemplo, eu mostrei para a Anne para prepará-la, pois vemos Joan Crawford em um ambiente totalmente tóxico e machista, por isso passei para ela ver o que é o empoderamento de uma mulher em um ambiente hostil;, conta. No entanto, apesar das inspirações, Baroni assinala que ;Alice Júnior é Alice Júnior, e não é nada do tipo ;é igual àquele filme;;.
Esta é a primeira vez que o diretor vem ao festival, tanto para competir quanto para prestigiar, e ele não esconde a animação e nervosismo. ;A gente sempre acompanha os filmes que passam pelo festival, depois que seguem para o circuito, mas esta é a primeira vez que sou selecionado, então estou nervoso. Estamos animados para o Festival de Brasília, ele é muito importante, muitos filmes que estiveram na mostra influenciaram meu olhar sobre o cinema;, relata, além de indicar a importância de apresentar sua produção no evento. ;A Anne também está indo, ela vai subir ao palco e apresentar nosso longa. Uma atriz trans, em um filme em que ela é protagonista: subir ao palco é importantíssimo. Ocupar este espaço em que, até pouco tempo, não era permitido ou não se via pessoas trans, é fundamental. Eu quero que ela seja bem recebida, porque estamos trazendo agora estas questões para o centro das narrativas. E ter homens e mulheres trans frequentando o festival e sendo protagonistas é maravilhoso;, declara o cineasta.
O cenário do audiovisual brasileiro está cada vez mais forte, não só no Brasil, mas mundo afora. ;Eu assisto muito ao cinema nacional, tanto estes filmes com um panorama bem comercial quanto aqueles que têm linguagens mais intimistas. Nós temos uma grande riqueza, vejo nosso audiovisual como um cinema absolutamente inovador. Nós temos um número grande de realizadores que estão circulando o mundo mostrando as várias facetas desse país imenso que é o Brasil. É muito importante para nosso cinema, que é tão pungente;, finaliza Baroni.
*Estagiário sob a supervisão de Nahima Maciel
Serviço
Cine Brasília (106/107 Sul). Nesta segunda (25/11), às 21h. Mostra competitiva de longas com a exibição do filme Alice Júnior, de Gil Baroni. Não recomendado para menores de 12 anos. Antes serão projetados os curtas, participantes da mostra competitiva, Cabeça de rua, de Angélica Lourenço e A nave de Mané Socó, de Severino Dadá. Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada).
Complexo Cultural de Planaltina (Av. Uberdan Cardoso, St. Administrativo, lt. 2, Planaltina; 3389-2441), Complexo Cultural de Samambaia (Centro Urbano, Samambaia Sul; 99228-0715) e IFB Recanto das Emas (Av. Monjolo, chácara 22, Núcleo Rural Monjolo, 620, 100-72, Recanto das Emas; 2103-2190). Hoje, às 20h30. Mostra competitiva de longas com a exibição do filme Alice Júnior, de Gil Baroni. Não recomendado para menores de 12 anos. Antes serão projetados os curtas, participantes da mostra competitiva, Cabeça de rua, de Angélica Lourenço e A nave de Mané Socó, de Severino Dadá. Entrada franca.
Curtas da noite
O curta-metragem A nave de Mané Socó, de Severino Dadá tem a trama focada em uma ameaça espacial que aterroriza uma cidade do sertão pernambucano. Enquanto isso acontece, a rádio local narra as abduções de forma sensacionalista. Já no curta Cabeça de rua, de Angélica Lourenço, uma lavadora de carros recebe uma proposta de trabalho fichado, após muitos anos trabalhando no mercado informal. No último dia nas ruas, ela precisa ensinar a prima, para que ela assuma o ponto; e lidar com as próprias inseguranças.
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