Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Em busca de pertencimento

Atração do segundo dia da mostra competitiva, o longa A febre reflete sobre a identidade dos povos indígenas divididos entre a aldeia e a cidade

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O local do indígena na sociedade, uma cidade cercada de floresta, a vontade de mudar o mundo. Essas são algumas das inspirações que impulsionaram Maya Da-Rin na produção do filme A febre. O longa está no circuito internacional de cinema desde agosto de 2019, após estrear no Festival de Locarno, na Suíça, e traz questões, discussões e críticas para o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro na mostra competitiva hoje, às 21h, no Cine Brasília.

O filme aborda a história do indígena Justino (Régis Myapuru), viúvo de 45 anos, que tem como principal companhia a filha Vanessa (Rosa Peixoto). Trabalhador de um porto em Manaus, ele é tomado por uma febre inexplicável e precisa lidar com mudanças no ambiente de trabalho e sustentar a casa para que a filha consiga realizar o sonho de estudar medicina. A visita de seu irmão ainda o faz recordar momentos da vida na aldeia e comparações com a cidade.

;A ideia inicial de A febre surgiu durante as filmagens de dois documentários que realizei na Amazônia, quando conheci algumas famílias indígenas que haviam deixado suas aldeias na floresta para viver na cidade. Acabei me aproximando de uma dessas famílias e a relação que estabeleci com elas foi o disparador do argumento do filme;, afirma a diretora Maya Da-Rin. A busca por histórias cotidianas de povos geralmente tratados como selvagens no cinema era o foco da cineasta quando escreveu o roteiro, mas o trabalho levou quase seis anos até a fase de filmagens.

;A convivência tão próxima entre a indústria e a floresta foi o que sempre me chamou atenção em Manaus e me levou a ambientar o filme ali.;, explica a diretora sobre a localização física do set. A produção do filme usou mais de 30 locações na cidade nos arredores e Maya viveu por um período na capital do Amazonas. ;Vivenciamos situações que foram incorporadas ao roteiro e pudemos imaginar outras que não nos teriam ocorrido sem o convívio com as pessoas e as percepções dos lugares;, completa a cineasta, em entrevista ao Correio.

A estreia dos protagonistas Régis Myapuru e Rosa Peixoto em longas se deu em A febre. Por serem não atores, a diretora esquematizou um processo de ensaios e gravações para que pudessem atingir as emoções que queria em cena. Foram dois meses de ensaio antes das gravações e muitas repetições de planos durante as filmagens para alcançar o resultado desejado. ;O Regis me chamou atenção pela presença e precisão dos movimentos. Já na Rosa, havia algo que eu não conseguia acessar, como um segredo, que era o que eu buscava para a personagem de Vanessa.;, comenta a diretora sobre os atores escolhidos entre 500 pessoas que fizeram testes.



Tema principal do filme, a causa indígena é pauta de Maya Da-Rin há algum tempo. O interesse veio durante a gravação de documentários. A diretora se preocupa com o caminho que o governo tem seguido sobre o tema e pontua: ;O discurso de integração dos indígenas à sociedade nacional, que guiou a campanha presidencial, tem como objetivo liberar as reservas indígenas para o agronegócio e a extração de minério;, afirma a diretora que entende que os indígenas precisam das reservas, vistas como opção única e necessária para alguns povos que permanecem isolados.

Sobre a expectativa para o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Maya Da-Rin percebe a realização do evento e a sua participação como atos políticos. ;Participar de um festival com a importância política e histórica que tem o Festival de Brasília é muito especial para nós neste momento. Os festivais de cinema sempre foram espaços de resistência e são fundamentais para a pluralidade e o acesso à cultura;, pontua a diretora.

Maya frisou muito a importância das políticas públicas para o cinema e a diferença que trazem ao desenvolvimento cultural. ;Estamos testemunhando o desmonte de políticas públicas que levaram anos para serem elaboradas e colocaram o Brasil no mercado de cinema mundial.;, falou Maya Da-Rin sobre os cortes a incentivos para o cinema brasileiro. Mesmo o filme sendo uma coprodução Brasil, Alemanha e França, ele dependeu do Fundo Setorial para conseguir os investimentos estrangeiros que proporcionaram que o longa conseguisse ficar pronto e que chegasse aos 30 festivais internacionais, onde ganhou 10 prêmios.

Estagiário sob a supervisão de Severino Francisco



Familiaridade com a sétima arte
; Maya Da-Rin é filha dos cineastas Sandra Werneck (Amores Possíveis e Cazuza: O tempo não para) e Sílvio Da-Rin (Hércules 56). A diretora afirma que a influência dos pais ultrapassa a esfera do cinema. ;Acredito que a maior influência que carrego dos meus pais, para além dos filmes que eles realizaram, é a crença na possibilidade de transformação, talvez não do mundo, mas das pessoas;, disse Maya.




Curtas da Noite


Caranguejo rei, dirigido por Enock Carvalho e Matheus Farias, conta a história de Eduardo, que contrai uma doença estranha após uma infestação de caranguejos em Recife. O curta paraense de Adriana de Faria, Ari y yo, é um documentário que fala da amizade de Adriana e Arisley, duas mulheres que vivem aventuras juntas sem falar a mesma língua.




52; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
Cine Brasília (106/107 Sul). Domingo, às 21h. Exibição dos curta-metragens Caranguejo Rei (Enock Carvalho e Matheus Farias) e Ari y yo (Adriana de Faria) e do longa-metragem A febre (Maya Da-Rin). Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos. Hoje, às 20h30, com entrada franca, mesma programação nos complexos culturais de Samambaia e Planaltina, além de exibição no IFB Recanto das Emas. No Cine Brasília, às 15h, exibição do longa Maria Luiza, de Marcelo Díaz, com entrada franca. Também no Cine Brasília, às 18h, exibição do longa Boca de Ouro, de Daniel Filho, com entrada franca.