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;Agora, o espectador não tem mais remédio do que ficar observando tudo. Essa foi uma exigência muito grande, principalmente em um espetáculo de quase duas horas. Você tem que olhar o caminho, e não segui-lo;, explica o diretor Hugos Rodas. Depois de 25 anos da apresentação da primeira versão, ele remonta o espetáculo O olho da fechadura no Espaço Cultural Renato Russo. A peça reúne 17 textos do escritor, jornalista, romancista, contista, cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues e resulta da oficina-montagem oferecida pelo diretor no espaço cultural.
Se, na década de 1990, Rodas ocupou o Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília (UnB), do jardim às salas, transformando os espaços em inferno, purgatório e paraíso e provocando o espectador a percorrer os cenários, desta vez o diretor posiciona o público diante da fechadura, em um espetáculo frontal, e conduz, diante dele, um corpo de baile de 32 atores-alunos. Ali, unindo uma cena à outra, ao comando de Rodas, o grupo desnuda o humano em essência. É preciso ser o terceiro olho. ;Quem percorre somos nós e não o público. Ele vê o que nós oferecemos para ele e isso foi muito interessante enquanto direção e criação do espetáculo;, comenta o uruguaio.
Para essa nova construção, Rodas conta com a participação de duas bandas do cenário brasiliense: O Tarot e Saci W;r;. Os músicos tocam ao vivo e assinam, junto com o diretor, a trilha sonora do espetáculo, com composições autorais e músicas que lembram um cabaré. Além disso, alguns integrantes atuam na peça, como o vocalista d;O Tarot, Caio Chaim. Apesar do grupo apresentar um trabalho performático nos shows, O olho da fechadura foi o primeiro desafio do músico no teatro. ;Ver como o Hugo abraça a nova geração de atores e músicos da cidade foi algo transformador na minha carreira e na carreira dos meus colegas;, conta.
A vivência teatral proporcionou ao artista uma nova relação com o palco, com a voz e, principalmente, com a palavra. ;Minha linguagem como músico se transformou, claro que música e teatro são linguagens conexas, ambas se complementam. Mas a minha experiência pessoal com a palavra é outra, de degustar as palavras, o sentido delas, de entregar algo com sentido;, detalha. Ao colaborar na construção da trilha sonora, Chaim também entendeu que as notas musicais em cena carregam emoções, criam atmosferas. ;Faz alçar sentimento, cria a paisagem sonora;, acrescenta.
No palco, os fragmentos de Nelson Rodrigues dirigidos por Hugo Rodas transcendem o caráter voyeur e criam uma atmosfera intensa, divertida, sem deixar de lado polêmicas, críticas e reflexões, características de ambos. ;É impossível entrar ali e sair sem ter um lugar de desconforto. O Nelson trata da da análise do ser humano, o homofóbico, o misógino, o patriarcal. Problemas básicos morais e éticos da sociedade. Não consigo desvincular a reinterpretação do Hugo da obra do Nelson até pela trajetória dele e a mistura dos dois torna tudo ainda mais potente;, avalia Chaim.
Para Rodas, tudo não passa de coincidências. ;É o ano das coincidências, do que estamos vivendo, de épocas, de políticas. É preciso acordar as pessoas para estar juntos. Sentir o humano de estar juntos, sentir o que está vivendo e como estamos vivendo, o compromisso de cada um com o viver, com o presente;, avalia. Resgatar a dramaturgia de Nelson Rodrigues nos dias atuais é quase um tapa na cara, como define o diretor. É contraditório ser algo tão presente e, ao mesmo tempo, tão censurável. ;Mas viver essas contradições é o que nos transforma em algo positivo mais forte. É o que nos provoca a atuar;, afirma.
Em mais uma produção, desta vez diante do olho da fechadura, o diretor uruguaio convida o público a assistir os desdobramentos da essência humana. Com teatro, música e performance corporal como é sua assinatura, Rodas apresenta uma versão contemporânea de Nelson Rodrigues, com toques de encontros, união, amor e um convite à resistência.
O olho da fechadura
No Espaço Cultural Renato Russo. Com direção de Hugo Rodas. Amanhã e sábado, às 20h, e domingo, às 19h. Entrada gratuita.
*A recomendação é que as pessoas chegem com, pelo menos, uma hora de antecedência para garantir o ingresso. A bilheteria do espaõ cultural abre com uma hora de antecedência e atende por ordem de chegada.