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Francis Hime pensava em uma série de eventos para comemorar seus 80 anos, completados em 31 de agosto, mas nenhum deles envolvia um novo disco. Mesmo assim, Hoje acabou por ganhar o mundo material. E isso aconteceu, curiosamente, por causa de um sonho. Hime tem vários poemas guardados nas gavetas, versos enviados por amigos e poetas. E lá estava um do português Tiago Torres da Silva. Certo dia, no meio da noite, acordou com uma melodia na cabeça. Ainda sonolento, pegou o celular, gravou e voltou a dormir. No dia seguinte, já sabia o que fazer com o poema de Tiago, que virou a canção O tempo e a vida, ponto de partida para a produção do novo álbum, disponível em todas as plataformas de streaming.
Francis Hime pensava em uma série de eventos para comemorar seus 80 anos, completados em 31 de agosto, mas nenhum deles envolvia um novo disco. Mesmo assim, Hoje acabou por ganhar o mundo material. E isso aconteceu, curiosamente, por causa de um sonho. Hime tem vários poemas guardados nas gavetas, versos enviados por amigos e poetas. E lá estava um do português Tiago Torres da Silva. Certo dia, no meio da noite, acordou com uma melodia na cabeça. Ainda sonolento, pegou o celular, gravou e voltou a dormir. No dia seguinte, já sabia o que fazer com o poema de Tiago, que virou a canção O tempo e a vida, ponto de partida para a produção do novo álbum, disponível em todas as plataformas de streaming.
Hime adora contar essa história para explicar como embarcou no projeto que reúne 12 músicas inéditas e parcerias para lá de elegantes. Com Tiago Amud, ele fez Sofrência, um sambinha que evoca um gênero bastante popular na música sertaneja, com direito à clássica combinação abandono e cachaça. ;Sofrência é os cantos do interior do Brasil e o Tiago fez essa letra tão interessante! Tem que cantar de uma maneira muito sutil, por causa do linguajar mesmo, das sutilidades que ela tem;, avisa.
[SAIBAMAIS]Para não desviar da ;maneira sutil;, ele contou com Olivia Hime, que o dirigiu nos vocais. ;Tem horas que canta mais pra fora, na segunda parte dá um intervalo, uma dinâmica mais baixa, como se fosse um papo mesmo com o interlocutor;, explica. No início, Hime faz uma gracinha e traz os acordes de Consolação, de Baden Powell, para embalar a sofrência. ;Eu sou louco pelo Baden. Junto com Tom Jobim. São meus maiores influenciadores. Já tinha feito isso em outros discos. Foi uma ideia que me veio na hora, não sei por que me surgiu, achei que tinha tudo a ver;, conta.
Em Flores para ficar, com Adriana Calcanhoto, ele faz outra gracinha, mas acha que essa, nem todo mundo percebeu. A primeira parte da melodia é uma homenagem a Tom Jobim e Hime retoma Jardim botânico, composta para o amigo. Mesmas notas, mesma harmonia, só que em outro ritmo: vai de valsa a samba lento. ;Olívia não tinha percebido;, revela, rindo. Já a letra, ele teve que insistir um pouquinho com Adriana, mas conseguiu os versos e a gravação. ;Tem uma extensão muito grande, então a gente dividiu o canto de maneira que ficasse confortável para ela cantar em tons mais agudos e eu pegando o grave. Fiquei contente. Gosto muito da Adriana como compositora, como cantora e como poeta;, explica. Na letra, estações derradeiras surgem trazendo flores para ficar e para espantar o medo.
Outros convidados
Lenine também comparece e, em O tempo e a vida, faz a melancolia portuguesa de Tiago Torres da Silva ir do fado ao blues. ;Ele deu uma interpretação muito dele. Lenine é um caso à parte, um compositor maravilhoso, que trafega por várias correntes, rock, canção, balada, o Brasil inteiro está representado com ele, que tem gravações antológicas de músicas minhas, como Atrás da porta. Ele me disse que foi a com que mais se emocionou cantando;, diz. E como tudo está interligado, Hoje também tem Chico Buarque nos vocais de Laura (como o Correio adiantou, em agosto deste ano, quando Francis Hime ainda estava em estúdio), composição de Hime e Olívia dedicada à netinha do casal. Neta, aliás, que é afilhada de Luíza, filha do casal e de quem Chico é padrinho. Um imbróglio familiar que deu liga no estúdio, um biguine, ou bolero acelerado, bem equilibrado na voz do autor da Ópera do malandro. ;Chico gosta muito de fazer esse gênero;, avisa Hime. ;Foi muito bacana, emocionante.;
Chico e Hime não gravam juntos há 22 anos. A última vez foi em 1997, em Sem mais adeus, songbook em homenagem a Vinicius de Moraes. Dessa vez, Chico chegou ao estúdio certo de que dividiria os vocais com o amigo, que foi categórico: ;Não. Vai cantar sozinho que eu quero curtir;. Hime adora o Chico cantor e queria valorizar Laura. Ele não gosta quando ouve por aí que Chico Buarque não sabe cantar. ;Minha mãe dizia ;esse cara canta tudo igual;, que nem João Gilberto. Bobagem esse negócio de o Chico não saber cantar. É o contrário, ele tem uma expressividade no canto, canta muito bem, com aquela voz pequena muito influenciada por essa escola que começou com João Gilberto;, avisa.
Hoje tem ainda parcerias com Hermínio Bello de Carvalho e Geraldo Carneiro, presenças constantes na produção de Francis Hime, além de uma particularidade: uma ligação especial com Portugal. O fado-blues na voz de Lenine, a letra de Adriana Calcanhoto, que dá aulas na Universidade de Coimbra, e o poema de Tiago Torres da Silva são fruto de uma contaminação poética, mas também concreta. ;Essa coisa de Portugal ficou muito presente no disco porque tomei umas férias de 10 dias em Lisboa antes de começar a gravar. Fui para lá e fiquei trocando e-mails com Adriana em Coimbra, encontrei com o Tiago, meu parceiro português. E troquei mails com Tiago Amud. Lisboa é uma cidade que gosto tanto!”, admite.
Para fechar o álbum, ele escolheu duas faixas da Ópera do futebol, obra inédita sobre dois irmãos em constante disputa. Um se torna rei do futebol, outro, do tráfico. Duas récitas chegaram as ser marcadas, mas a produção não ficou pronta a tempo e a apresentação foi cancelada. ;Agora, com patrocínio mais rarefeito, vai demorar um pouquinho;, lamenta o compositor. Em Pietá, cantada por Olivia Hime, uma mãe chora a morte do filho, cujo corpo ela abraça aos prantos. A história termina em uma mistura de funeral e cortejo de copa do mundo. Triste fim para uma saga bastante real no Brasil contemporâneo.
Os 80 anos foram completados em agosto, mas Hime comemora até o fim de 2019. Homenageado no Festival Villa-Lobos, ele tocou com a Jazz Sinfônica na última semana. No início de dezembro, faz o lançamento do disco no Sesc Pinheiros, em São Paulo, em show no qual recebe Zélia Duncan, Lenine, Zé Renato e Mônica Salmaso. Em 14 de dezembro, estará em Brasília para participar do projeto Mistura fina, no B Hotel. Para 2020, o primeiro compromisso é escrever um concerto para dois cellos, pedido de Jacques Morelenbaum e Hugo Pilger.
QUATRO PERGUNTAS / FRANCIS HIME
Em Hoje, o senhor comemora 80 anos: o tempo é um tema nesse trabalho?
O tempo está muito presente nesse disco, de uma maneira ou outra. E acho que o título Hoje que surgiu em conversas na Biscoito Fino retrata muito bem o que é o disco, o que eu pretendia fazer, mostrar o que estou fazendo agora, não tem um olhar par ao passado nem preocupação com futuro. Foi realmente um aqui e agora. Mas o tempo está ali, perpassando tudo isso. O tempo e a vida exprimem bem isso.
O disco tem muitas canções de amor; Como é o amor aos 80?
O amor aos 80 é uma das coisas, é a coisa mais importante da vida. O amor pra mim representa tudo, o amor impulsiona, dá energia. O amor em todos os sentidos, faz a gente viver, produzir, o amor é tudo realmente.
Esse disco é excepcionalmente rico em parcerias. Isso é um dos teus modos de trabalho?
Tem mesmo muitas parcerias. Sempre gostei muito de compor com muitos parceiros, é uma característica mesmo do meu trabalho, mesmo quando estava trabalhando com Chico, que tinha como parceiro constante.
Você fez parte de uma geração que usou a canção para protestar contra um regime autoritário. Quais são as vozes de protesto e resistência hoje na música brasileira?
Estão espalhadas pela música brasileira, não necessariamente localizadas num setor, num nicho. Tem épocas que emergem mais vigorosamente. Acho que agora é uma época que a gente está com a cultura sob ataque, com um governo que não gosta de artista. Goebbels (um dos idealizadores do nazismo) dizia ;quando vejo cultura, puxo o revólver;. Geraldinho Carneiro, meu parceiro, diz ;quando vejo o revólver, puxo uma cultura;. Esse governo está desmontando todas as atividades artísticas, ele corta, intervém, censura. Então, mais do que nunca, essas vozes de protesto vão se acirrar. E acho que, agora, a oposição vai enfim acordar com a saída do Lula da prisão. Acho que temos boa chance de retornar ao estado de direito, porque estamos na corda bamba, com uma certa ameaça de ditadura, uma coisa que a gente pensava que nunca mais ia acontecer.
Hoje
De Francis Hime. Biscoito Fino, 12 faixas. R$ 36,15