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Mais de 9 milhões de pessoas no Brasil possuem algum tipo de deficiência auditiva. Dessas, 2 milhões são acometidas por um grau severo, de acordo com o Censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Boa parte dessa comunidade costuma ter dificuldade quando o assunto é o consumo de música. Isso porque raras produções musicais são feitas de forma acessível para esse público, ou seja, com tradução para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
A cantora Luiza Caspary é uma das artistas que tem essa preocupação. Desde 2011, ela une música e acessibilidade. O primeiro trabalho da baiana nesse sentido foi o videoclipe da música O caminho certo, que conta com audiodescrição, faixa narrativa adicional que permite a pessoas com deficiência visual o entendimento das cenas e detalhes descritos ao longo do vídeo. ;Usamos esse recurso e, na época, foi pioneiro. A partir daí, fiquei muito atenta, porque me interesso muito pelas pessoas. Comecei a pensar em como levar essa acessibilidade para o show ao vivo. Comecei a olhar também para o público surdo;, lembra em entrevista ao Correio.
A primeira atitude de Luiza foi incluir intérpretes de Libras nas apresentações. Em setembro deste ano, a cantora lançou o primeiro álbum completamente acessível, o disco Mergulho. Com nove faixas, o material ganhou uma versão em vídeo no YouTube, em que todos os clipes contam com tradução para Libras. ;Acho que o maior desafio, se você pensar bem, é porque essas pessoas não estão acostumadas a consumir arte, por não terem recursos, por terem medo de serem rejeitadas. Contamos com duas intérpretes e duas consultoras surdas, porque a tradução para Libras não é literal. Então, elas precisaram conversar comigo para entender o que exatamente eu quis passar em determinada frase para fazer a tradução;, explica.
Esse processo foi uma espécie de segundo mergulho em Luiza Caspary, já que a concepção do álbum foi uma busca interna e traduz momentos vivenciados pela cantora. ;Esse é um disco que fala muito do processo de busca de autoconhecimento. Quando escrevi, eu vivia um processo de dois lutos simultâneos, da morte da minha vó e de uma separação de 10 anos. Esse material permeia esses momentos da minha vida;, analisa. No disco, a artista conta com participação de Jair Oliveira (Bem vindo); Juliana Strassacapa (Par); Gabriel Von Brixen (Tempo); e Estevão Queiroga e Necka Ayla (Adeus).
Sobre a questão da acessibilidade na cultura, ela conta ter percebido um avanço. ;Vejo que, cada vez mais, existe esse interesse das pessoas (na inclusão). O que é bacana nesse trabalho é que sempre levo um intérprete de Libras. Não posso ter certeza de que terá um surdo na plateia, mas a mentalidade tem que mudar em relação a isso. Temos que começar a pensar em incluir as pessoas;, avalia.
Outra iniciativa
O brasiliense Leo Fressato, conhecido por ser autor da música Oração (que fez sucesso na voz do grupo A Banda Mais Bonita da Cidade), é outro artista que levou a acessibilidade para o trabalho mais recente. No fim de setembro, o cantor lançou o álbum Louco e divertido, que teve as 10 faixas divulgadas nas plataformas digitais e também no YouTube, nesta plataforma, com lyric videos em que as letras aparecem na tela acompanhadas de uma interpretação em Libras.
Em um álbum no qual mistura rock, bossa nova, pop e carimbó, Leo Fressato quis ultrapassar as barreiras e fazer música também com as mãos, estabelecendo uma ponte com as pessoas que apresentam qualquer dificuldade auditiva. A ideia veio inspirada em uma amiga que tem duas filhas com surdez, com quem Leo conviveu. Os vídeos tiveram tradução de Talita Sharon Simões e Lais Guebur, com interpretação de Geovana Hinteregger e da poeta Negabi. ;Uma amiga de infância, a Thami Nascimento, teve duas filhas surdas. Um dia, ela me convidou a fazer um show para a Pastoral dos Surdos. Eram 30 pessoas, 27 delas eram surdas, e o show foi incrível! Então pensei que era necessário acessibilizar as canções em Libras. Das quatro meninas que aparecem nos vídeos, duas são as intérpretes, e duas são pessoas realmente surdas, inclusive, uma delas (a Geovana) é a filha da Thami, a minha amiga de infância;, revela.
A principal temática do álbum, que levou dois anos para ser produzido, é o amor. Assunto que permeia o repertório escolhido em conjunto com Jérôme Gras, arranjador do primeiro e do segundo disco da carreira. ;Mensagem, a princípio, é a mesma do primeiro disco: amor, seja como for. No entanto, pareceu necessário, diante de algumas situações retrógradas que vêm virando moda no país (como LGBTfobia, machismo, sexismo, etc) falar um pouco sobre esses temas e lembrar as pessoas que apesar de muitos civis e governantes caminharem nessa direção errônea, o amor e o respeito às diferenças são fundamentais. Que toda maneira de amor vale a pena;, completa.
Duas perguntas/ Leo Fressato
Você pretende levar acessibilidade para os shows da turnê?
Gostaria de levar uma intérprete sempre comigo. Mas, infelizmente, com o desmanche e a desvalorização da cultura que está acontecendo, conseguir levar a banda em vez de fazer shows sozinho, violão e voz, já está difícil, então, por hora, levar uma intérprete está mais para sonho.
Qual é a importância de pensar na música com acessibilidade?
A gente tem que parar de ser uns ;caretões;, egoístas, e entender que a população como um todo merece ter acesso. E não só as artes e a cultura. A tudo. Escola, saúde, esporte, transporte, etc. Se o país caminha mal em relação ao respeito à natureza e às populações com menos acesso, nós, pessoas que acreditam que o maior bem de um país é a sua população, com toda sua beleza e diversidade, temos que fazer nossa parte e incluir pessoas, já que os tempos são de descaso e exclusão.
Mergulho
De Luiza Caspary. DaFne Music, 9 faixas. Disponível nas plataformas digitais e no YouTube (com vídeos com Libras).
Louco e divertido
De Leo Fressato. Independente, 10 faixas. Disponível nas plataformas digitais e no YouTube (com vídeos com Libras).