Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Um outro olhar

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Ao contrário da própria essência da fotografia, é na ausência de luz que o fotógrafo paulista Gabriel Bonfim convida o público a vivenciar a exposição De Fotografia à Tactography;, em cartaz no Museu Nacional dos Correios. Pela primeira vez na capital federal, o motivo de tal convite vai além de uma excentricidade ou um capricho de artista. ;Gostaria que as pessoas conhecessem as histórias que estão ali e tivessem a possibilidade de se colocar no lugar do outro, de ver o mundo de uma maneira diferente;, explica Bonfim.

Nas paredes, a bidimensionalidade do registro fotográfico dá lugar a uma espécie de escultura branca. São 24 obras tridimensionais fruto de fotografias capturadas do tenor italiano Andrea Bocelli durante uma turnê na Europa e do jovem bailarino catarinense Denis Vieira, integrante do Ballet da Ópera de Zurique.

Os trabalhos resultam da união do olhar de Bonfim com a tecnologia suíça da Tactography;, uma espécie de impressão em alto-relevo que escaneia o objeto fotografado e mapeia as proporções e a profundidade para a criação das peças. ;Dois motivos me levaram para esse caminho. O primeiro foi quando fotografei o Andrea Bocelli, a primeira celebridade internacional no meu portfólio. Fiz ele e toda a família e fiquei pensando que ele jamais poderia ver aquelas imagens. E essa vivência de imediato me conectou com uma amiga da época de escola, a Marcela Trevisani. Ela é cega e sofria muito bullying que chegava a beirar o ridículo dos filmes americanos, das pessoas roubarem o lanche da mochila dela;, detalha o artista.

A partir das inquietações, Bonfim deu início a uma série de testes e pesquisas fora do Brasil para reproduzir, da maneira mais sensível, a imagem fotografada.

Depois de três anos em meio aos livros de direito, o fotógrafo encontrou na arte o meio de comunicação com o mundo. ;Identifico-me com a arte e todas as formas dela;, comenta. Para ele, o nome da exposição - De Fotografia à Tactography; - revela o que ele pretende como artista e como ser humano. ;Que a técnica seja como uma leitura de imagem e se torne a arte de outros fotógrafos, mas também uma linguagem como o braille é hoje em dia acessível para as pessoas que precisam;, afirma. Desde que começou a apresentar o trabalho, Bonfim recebeu vários pedidos de deficientes visuais para imprimir a foto da família. ;Infelizmente, ainda é um procedimento caro;, lamenta.

Além de permitir que deficientes visuais vivenciem a arte com todas as nuances, o artista convida o público a percorrer a exposição vendado. ;É uma reflexão importante. Pensar como reparamos outras pessoas na sociedade, como elas podiam fazer a diferença, mas não damos alternativa para elas;, justifica. Ao propor tal experiência, Bonfim não imaginou que o nível de reconhecimento das obras fosse tão diferente. ;Demorei muito tempo para reconhecer as minhas fotos. A gente olha para um deficiente visual na rua com dó. Na exposição, os colocamos como heróis e nos vemos como inferiores diante do cenário deles;, descreve.

Além dos trabalhos com Tactography;, o artista trouxe para Brasília duas séries: M. - Meu Lugar na Sociedade e Portraits. No primeiro, ele retrata mulheres, como a ativista Maria da Penha, diante de belos cenários para simbolizar o protagonismo das histórias e das lutas de cada uma delas. No segundo, o fotógrafo transporta o público para as viagens que fez por diversos países e apresenta a beleza da diversidade humana.

Com uma trajetória na fotografia de moda, é inevitável não notar nos trabalhos uma plasticidade dos editoriais de revistas. Em cada imagem, os objetos ocupam o devido lugar, assim como a luz, as cores e, claro, a pessoa representada. Tudo foi devidamente pensado. Bonfim não nega a referência. Contudo, explica a diferença: ;Gosto de mostrar todo mundo como tendo a sua importância, como se todos tivessem o seu patamar de beleza e merecessem o espaço na arte. Reconheço o valor da diferença. Na verdade, acho muito melhor ser diferente;.



De Fotografia à Tactography
De Gabriel Bonfim. No Museu Nacional dos Correios. Visitação até 29 de dezembro. Entrada gratuita. Classificação indicativa livre.