postado em 02/11/2019 06:03
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Quantas personagens cabem em Julia Lemmertz? Aos 56 anos, a atriz que viveu Helena, de Manoel Carlos; Maria Lu, no longa brasileiro Meu nome não é Johnny; e no teatro deu vida a diversas dramaturgias, brinca em cena, pela primeira vez, com o humor. Em Simples assim, peça baseada nas crônicas de Martha Medeiros em cartaz na cidade este fim de semana, Julia vive, entre outras personagens, uma editora de jornal de tevê e uma mulher ocupada que contrata um dublê. Caricaturas da vida real.
Quantas personagens cabem em Julia Lemmertz? Aos 56 anos, a atriz que viveu Helena, de Manoel Carlos; Maria Lu, no longa brasileiro Meu nome não é Johnny; e no teatro deu vida a diversas dramaturgias, brinca em cena, pela primeira vez, com o humor. Em Simples assim, peça baseada nas crônicas de Martha Medeiros em cartaz na cidade este fim de semana, Julia vive, entre outras personagens, uma editora de jornal de tevê e uma mulher ocupada que contrata um dublê. Caricaturas da vida real.
De forma esguia, como as linhas de Niemeyer que ela mesma admira na capital federal, Julia se desdobra a cada trabalho. Versátil, em Simples assim, além da comédia, ela redescobriu o valor da simplicidade, do afeto e o sotaque gaúcho ; já que Martha é uma conterrânea. Fora dos palcos, dedica uma parte do tempo, ;artigo de luxo;, para os filhos, Luiza e Miguel, e para o neto, Martin. ;Estar viva neste mundo é uma sorte e um desafio constante;, afirma.
[SAIBAMAIS]Entre tantas atuações e exercícios, sejam eles no palco da vida sejam da dramaturgia, Julia não se esconde nas personagens. Pelo contrário, é transparente em tudo o que faz e pensa. Não teme desafios. ;O problema é esse, dá trabalho viver. E ninguém quer ter trabalho;, comenta. Em conversa com o Correio, a atriz fala sobre Simples assim, as questões do dia a dia e a cultura no Brasil.
Entrevista // Julia Lemmertz
Teve alguma das personagens de Simples assim com quem mais se identificou? Por quê?
Todas as personagens em algum lugar a gente se identifica. Mas, ultimamente, eu acho que estou precisando de uma dublê de mim mesma.
Com qual texto ou crônica você mais se identifica? Por quê?
Acho bonita a crônica que dá nome à peça, Simples assim, que fala que conviver pode ser simples, se a gente for transparente nas relações, sejam elas de trabalho sejam afetivas.
Ao se deparar com Simples assim, qual foi o maior desafio e o maior aprendizado como atriz e como pessoa?
Acho que foi o de brincar mais em cena, de fazer graça com assuntos que podem ser sérios e deixar eles mais fáceis de absorver, a comédia é uma arte.
Como é fazer uma peça de humor?
Muito divertido, especialmente com dois companheiros tão talentosos, que são grandes atores, e por isso incríveis no humor, aprendo muito com eles. E com o nosso diretor, meu amigo, irmão da vida, Ernesto Piccolo, que me ensinou muito nesse trabalho.
Depois de atuar em Carcereiros (a atriz fez uma participação especial na segunda temporada da série), uma realidade dura do Brasil, como foi adentrar nos textos da Martha?
São assuntos diferentes, mas da mesma natureza, a gente, na peça Simples assim, fala do ser humano, dos desencontros, de amor, de solidão, de viver como se a morte não existisse, da qualidade da presença na vida. Carcereiros era fechado nesse sistema penal desumano e na história desses homens que vivem, ou sobrevivem nele. Enfim, falar com humor da vida ajuda muito.
A peça fala sobre distância da vida no decorrer dos ensaios e das apresentações, quais distâncias você encontrou na sua vida e que resolveu enfrentar?
A peça fala da qualidade da presença na vida, do quanto a gente se distancia, se distrai com outras coisas, com a internet, com as redes sociais, fica horas ali e perde a conexão com o real, com o outro que está ao seu lado. Pego-me pensando muito nisso agora e ligando para os meus amigos em vez de só passar uma mensagem, por exemplo.
A vida tem se tornado mais complicada de ser vivida? Por quê?
Acho que não, a gente é que complica. A internet, por exemplo, tem uma ferramenta incrível, de informação, de pesquisa, é rápida, fácil de acessar. Mas não tem controle, você tem que ter cuidado para não ser enganado, as fake news e sites que não são seguros, enfim.. Tem que ter responsabilidade e saber onde se informar. O problema é esse, dá trabalho viver. E ninguém quer ter trabalho, o processo, quer o resultado. Aí complica mesmo.
O que é simplicidade para você? O que é ;simples assim; para você?
É ter tempo. Tempo pra ler um livro, não fazer nada, meditar, ficar em silêncio. Tempo é simplesmente um luxo.
Você é bastante ativa no Instagram e sempre usa essa rede social para falar sobre vários assuntos. Como você lida com as críticas e haters?
Agora não lido mais, não dou bola e não respondo. Acho uma perda de tempo responder a quem não quer te ouvir, e que às vezes nem existe, é perfil falso, criado para isso, te achincalhar. Estou fora, é um estresse desnecessário.
A peça toca, mesmo que de maneira sutil, em questões políticas. Você, sobretudo no período das eleições, se posicionou abertamente. Hoje, no Brasil, ser artista é ser político?
Viver, amar, entrevistar são atos políticos também. A arte é uma ferramenta de reflexão, de olhar pra isso e tentar explicar, compreender muitas vezes. Somos todos seres políticos, já dizia Aristóteles: ;o homem é naturalmente um animal político;. Mas estamos falando em viver em sociedade, pensar no bem comum, na coletividade, na boa política.
Como tem visto as políticas públicas nas áreas culturais?
É um assunto muito delicado e triste. Perdemos o nosso ministério, não temos uma política cultural séria e comprometida com a cultura em todos os seus segmentos. Estamos sofrendo um abandono geral, e com a volta da censura está ficando tudo mais difícil. Mas ainda podemos contar com as leis de incentivo, que se não fossem elas, não estaríamos aqui em Brasília, ou em nenhuma outra capital, viajando com teatro e empregando muita gente, fazendo esse incentivo que se destina à cultura se multiplicar e dar um retorno incrível à economia do país e à empresa que destinou o seu imposto para um projeto cultural. E tem muita gente, pequenos grupos de teatro, que muitas vezes fazem na raça, na cooperativa mesmo. Há que resistir.
No Rio de Janeiro, em Recife, em Brasília, ouvimos e vimos artistas falando em censura, principalmente com relação a peças teatrais. Você teve dois filmes adiados. Acha que estamos em uma fase de censura velada no país?
A censura não é velada, está bem clara e sendo justificada como forma de proteger a família brasileira, entre outras justificativas. Algo impensado em pleno século 21, onde em qualquer lugar do mundo a liberdade artística é inquestionável e bem-vinda, responsável, entre outras coisas, pelo pensamento crítico dos cidadãos, é um direito constitucional, o artigo IV.
Como a cidadã e atriz Julia Lemmertz se posiciona e age diante desse contexto?
Estamos resistindo do jeito que é possível, exercendo o nosso ofício da melhor forma possível, com consciência, com seriedade, com responsabilidade e com coragem. É um momento de união e diálogo, não podemos esquecer que a precariedade está em todos os lugares e profissões. Somos responsáveis por esse momento também. Ressignificar o que é ser cidadão talvez seja um começo, estar atento ao que está acontecendo aqui, na América Latina, no mundo, te dá uma dimensão real do que acontece aqui. É uma oportunidade incrível de mudança e consciência. Mas não sou otimista. Acho que estamos num processo grave de perda de direitos, de desmonte de muitos setores importantes, de saúde, de educação, de cultura, de tecnologia e pesquisa, de preservação ambiental; um sem fim de perdas que está difícil, e vai ficar pior.
Como se sente aos 56 anos? O que significa, hoje, ser mulher depois dos 50 anos?
Sinto-me com uma história, uma vida vivida até aqui, torcendo pra ter saúde e energia para seguir nessa segunda metade da vida, que se sabe lá quanto tempo dura. Não penso muito no que significa ser mulher depois dos 50. Estar viva neste mundo é uma sorte e um desafio constante. Viver do meu trabalho, com honestidade e afeto, é uma benção que agradeço e compartilho à medida que posso.
Simples assim
No Teatro Royal Tulip. Sábado, às 19h e às 21h30h. Ingressos a partir de: R$ 50 (meia-entrada) e R$ 100 (inteira)*. Pontos de venda: Belini (113 sul), bilheteria do teatro e site bilheteriadigital.com. Não recomendado para menores de 12 anos. *Assinantes do Correio têm 50% de desconto sobre o valor da inteira.