Molotov é uma bomba caseira, produzida com matéria-prima barata, cuja intenção é causar grande impacto. Ou, na paráfrase da poeta Lisa Alves, para descrever o selo com que ela, desde 2015, produz book trailers para autores e editoras independentes: ;A Molotov é uma ;bomba caseira; do audiovisual, produzida com matéria prima barata e com objetivo de causar grandes efeitos. E que os livros se tornem moda!”, anuncia.
Tudo começou em 2015, quando Lisa se deparou, na internet, com o book trailer do livro Poemas Apócrifos de Paul-Valery, do autor-editor Márcio André, morador de Barcelona. O vídeo começa com uma foto de Paul Valéry em seu escritório, entrecortado por frases que explicavam o contexto do livro. Em seguida, surge uma série de imagens de pessoas com a cara coberta por um pano, numa biblioteca ou num jardim, entrecortadas por comentários instigantes de grandes autores.
Lisa, que já trabalhava com videoarte e performance, vinha refletindo sobre como lançar seu livro de poemas, Arame farpado. Queria fazê-lo chegar a um público maior e se apaixonou pelo conceito. ;Usei meu próprio livro como um laboratório, para ver se funcionava, se vendia. A partir disso, eu criei um selo;, conta. ;Foi a primeira vez que eu vi esse nome (book trailer). Busquei na internet, mas não tinha nada a ver com o trabalho que ele fez, artístico;.
Ainda hoje, embora haja uma produção de booktrailers no Brasil, raramente se encontra algo com uma pegada mais poética. A maioria dos vídeos, queixa-se lisa, são apenas leituras de trechos da obra, feita por celebridade. ;Em essência, isso não é um booktrailer. O booktrailer transporta as imagens do livro para o vídeo, criando uma narrativa e instigando a leitura;, explica lisa. O primeiro trailer que ela produziu, para o próprio livro, exemplifica bem isso.
No vídeo, gravado no quintal da casa da mãe, Lisa aparece com o rosto coberto, como se fosse uma prisioneira. ;Tem essa coisa do muro, a simbologia da barreira física. Fiz isso na época do ISIS (Estado Islâmico). É uma referência;, explica. A experiência foi tão bem-sucedida que, rapidamente, outros autores pediram para que ela fizesse trabalhos semelhantes. Lisa ressalta que o grande objetivo é vender os livros. ;É um marketing. Estou lidando com um produto independente. Como vou vender isso?;, diz.
Vendendo salvações
Lisa mora no Rio de Janeiro desde 2017. Foi para a cidade para curar um luto, e nunca mais voltou a Brasília, a não ser em 2018, para buscar suas coisas. A editora conta que, hoje, vive e paga as contas com o trabalho do Selo. Sem trabalho fixo, e tendo terminado recentemente um frila no qual editou uma série que deve ir ao ar na tevê em breve, o único trabalho que ela tem fora do selo é uma produção de audioteaser de livros para a editora Penalux.
Apesar de não ser exatamente o projeto de vida da poeta, ela conta que o empreendimento tem sido bem-sucedido. ;Já tem até fila de autores esperando o trailer ficar pronto, coisa que não tinha antes;, descreve. Para produzir os vídeos, Lisa utiliza imagens de arquivo, com usos comerciais liberados, com as quais tenta construir uma narrativa original. Ela cobra apenas o preço de editora, não de produtora. É uma forma de baratear os custos e obter um ótimo resultado, como na descrição do selo.
A produção também tem um aspecto militante. Lisa acredita que é necessário usar as estratégias de publicidade para democratizar o acesso ao livro. ;Vender livro é vender salvações. A arte é um produto. A gente está produzindo conteúdo, produtos culturais. Ou a gente entende que vai ter que bater isso com publicidade, ou a gente sempre vai perder para uma cerveja. Isso é muito comum: em lançamentos, se vende mais cervejas do que livros;, declara.
*Estagiário sob a supervisão de Nahima Maciel