O primeiro encontro de Emicida e Ibeyi aconteceu por Skype: com o arranjo de um amigo em comum, os três músicos entraram em contato para uma parceria de uma música, que já viraram duas, e agora sobem juntos ao Palco Sunset do Rock in Rio 2019, nesta quinta-feira, 3.
Este é o primeiro dia do segundo final de semana do festival - a primeira parte não teve grandes surpresas, sem registro de acontecimentos problemáticos e com algumas performances que devem ficar gravadas na memória do evento.
O próprio Emicida - que volta ao Rock in Rio dois anos depois de uma participação no show do cantor de R Miguel, em 2017 - aponta que o Sunset tem se tornado um ponto de encontros fundamentais na história do festival.
"Não é para comparar com o mainstream do Palco Mundo, mas a música é feita de encontros. Põe o Djavan e o Stevie Wonder na mesma faixa para ver o que acontece", afirmou.
No primeiro fim de semana, Iza consagrou seu status de nova estrela do pop nacional num show muito bem produzido em que chamou Alcione ao palco. Emicida já não precisa provar nada para ninguém - e um novo álbum vem aí ainda neste semestre -, mas essa é a sua primeira vez no festival com seu nome na frente do cartaz.
"A gente foi muito influenciado por encontros grandiosos que aconteceram na música, e são eles que fazem a gente entender que a música é de fato uma linguagem universal, para além do clichê. Ela transcende os idiomas. Quanto a gente chegar lá na quinta-feira, a maioria não fala inglês. Mas quando elas (as Ibeyi) começarem a cantar, o coração vai estar pulsando junto com o delas e todo mundo se transforma em um só. É uma coisa que a política tinha que fazer e muitas vezes não acontece. A religião também, às vezes é sequestrada pelo ódio. A música faz isso espontaneamente", diz o rapper paulistano.
O cantor leva ao palco duas artistas jovens - Lisa-Kaindé Diaz e Naomi Diaz - com uma carreira já reconhecida internacionalmente pelo seu tipo de world music carregado para o indie, mas sempre com reverência às suas raízes ancestrais, outro ponto de contato fundamental para os três artistas.
"Quando tocamos no Circo Voador (em 2016), aquele foi um dos nossos melhores shows da vida toda, porque finalmente entendemos que de fato havia uma conexão mais profunda (com o Brasil)", diz Liza.
Os três permanecem no palco o tempo todo - formato que também vem funcionando no festival - e o setlist alterna música de um (Hoje é Cedo, AmarElo), com músicas delas e, claro, as músicas dos dois (Hacia El Amor e Libre, uma celebração funk da liberdade).
"Esse iorubá antigo, uma relação profunda de Brasil e Cuba, acaba por conectar a gente, é um vínculo direto que temos com nossos ancestrais que trouxeram essa realidade para os países americanos", explica Emicida. "Quando nos juntamos no estúdio para fazer uma música, tentamos dar seguimento à grandiosidade dessa história."
O rapper é conhecido por aproximar outros ritmos, do rock ao samba, para o universo do hip hop, e o trabalho com Ibeyi se encaixa bem nessa sua procura. "Sou um curioso. Na música delas, sinto que elas se conectam muito com o hoje, é uma música urbana contemporânea, mas sem que isso seja um limitador. É um ponto de partida." Para ele, o estúdio então se transforma num ambiente de pesquisa, partindo de músicas brasileiras, africanas e americanas para se conectar ao rap.
"Essas janelas de oportunidade ficam sempre abertas e, no meu caso, a linha de raciocínio é a música rap. Sinto que para elas também existe algo muito semelhante", afirma.
Liza, mais comunicativa do que a irmã, concorda. "Sem limites para nós", diz Liza. "Temos essa conexão, e também temos o amor pela música do passado e pela música do futuro, Emicida também. Acho que é por isso que nos entendemos tão bem", comenta.
A cantora e produtora explica que, nos primeiros contatos, eles ainda não se entendiam perfeitamente ("essa é minha escola de inglês", diz Emicida, em inglês), mas que, com o tempo, todos aprenderam os idiomas em comum (além do inglês, elas falam com fluência francês e espanhol, e músicas do seu repertório usam também a língua iorubá). "Quando falta uma palavra, procuramos nas outras línguas", diz Emicida. "Ou, quando não nos entendemos, apenas rimos", diz Naomi - que diz gostar tanto da música tradicional africana quanto dos rappers hiper contemporâneos de Cardi B.
Durante o ensaio, é possível ter um corolário das músicas já lançadas pelo trio e perceber que o talento vocal da dupla combina bem com o flow único de Emicida. "Na minha cabeça, esse será um show que lembraremos para sempre. Estar no Brasil, com Emicida, tocando para tanta gente. Mais do que política, o que queremos é dar a elas o sentimento de que eles têm o poder, porque isso é a verdade. Quando todos cantamos juntos, não é possível 'desver' isso."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.