Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Três perguntas / Lucas Reginato

O que te motivou lá atrás a estudar e fazer um livro sobre o funk?
Estudar a história da música popular no nosso país é estudar a história da formação da nossa sociedade. Depois de pesquisar e escrever sobre o nascimento da MPB (no livro Fino da Bossa) eu busquei um movimento que fosse menos de um ou outro artista privilegiado, e mais de uma coletividade caótica e criativa que existe na periferia. O funk é uma expressão espontânea e genuína, uma representação que está viva, porque desde que nasceu até agora continua mudando e acompanhando o mundo que muda em volta. O que me motivou foi que nenhum outro objeto de pesquisa pode ser tão rico e dançante ao mesmo tempo.


O funk é muito relacionado ao Rio, mas também tem tido espaço em São Paulo nos últimos anos. Em seus estudos, pôde identificar outros estados em que há uma predominância do estilo?
Meus estudos foram mais na história do funk, e aí é clara a origem no Rio de Janeiro, mas foi interessante perceber como ele foi gradualmente avançando geograficamente. Antes de conquistar a região metropolitana de São Paulo, por exemplo, o funk ganhou a Baixada Santista, nos anos 1990. Hoje em dia, o funk é mais brasileiro do que carioca, e cada região faz funk com sotaque próprio. O funk ostentação, por exemplo, foi um movimento do funk paulista. Os produtores de Minas Gerais hoje desenvolveram um estilo peculiar, com batidas minimalistas. Já em outros estados, o funk abraça ritmos regionais, como o brega, no Pará, e o pagode da Bahia.


Quais são os artistas que fizeram história no gênero?
O funk é mais a história de uma massa criativa do que de um ou outro artista dotado de inspiração divina. São gerações de milhares de jovens de periferia que fizeram sucesso nas mais variadas maneiras, os DJs, os dançarinos, os mestres de cerimônia, as equipes de som. Um nome que eu gosto de destacar é de Tati Quebra Barraco, uma mulher que participou da geração do tamborzão, cria da Cidade de Deus, na virada do século. Ela cantava de um jeito completamente inusitado, e a voz forte dela dizia coisas que na boca de uma mulher eram ainda mais revolucionárias, libertárias mesmo. Fez muito sucesso, mas nunca deixou de seguir seu estilo. Por fim, me sinto obrigado a mencionar o DJ Rennan da Penha, porque, a meu ver, ele está preso injustamente, desde abril deste ano. No auge da carreira, a Justiça o condenou por associação ao tráfico porque ele fazia baile funk na favela. O Rennan foi o principal responsável pela grande renovação estética do funk nos últimos anos, o funk de 150 BPM, que alavancou a carreira do Kevin O Chris, entre outros MCs. A história do Rennan é a história do funk.