Nicole Mattiello*
postado em 29/09/2019 06:00
Imaginar o sertão nordestino é tarefa fácil. Chão seco com rachaduras, terra do amarelo queimado para o marrom, árvores com galhos retorcidos. Moradores com chinelo gasto no pé, os pés sujos por andar muito, e roupas de algodão em cores neutras. No cinema, esse foi o imaginário de sofrimento do sertão criado por diversas histórias passadas por lá, como O auto da compadecida, Central do Brasil, Capitães da areia.
E pensar num sertão nordestino futurista em um enredo de suspense? Aí a imaginação já trava e pede mais criatividade. Esse enredo é a proposta do , de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Além do roteiro disruptivo, o longa também traz a resistência de um povo como o tema central da história.
A tarefa de representar visualmente esse sertão nordestino de Bacurau fica por conta da Direção de Arte e do Figurino da obra. A figurinista responsável por trazer todo essa visualização foi a pernambucana Rita Azevedo. Arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Pernambuco, também desempenhou a função nos filmes Aquarius, Divino amor e Swinguerra. Em entrevista ao Correio, Rita conta sobre o processo de produção para construir o catálogo de roupas e adereços da obra.
Como começa a construção dos seus personagens?
A construção de cada filme é sempre muito diferente. Entrar nesses universos é uma jornada, porque é sempre uma coisa muito específica, sabe? Em Bacurau eu precisei me deslocar no tempo, para o futuro, mas vendo o realismo do sertão hoje. Eu também tinha a necessidade de fazer esse sertão dialogar com as periferias, trazer a atitude, a vaidade, a massificação.
E quanto tempo leva?
São várias semanas de pré-produção. Para chegar em Lunga (interpretado por Silvero Pereira), foram 10 semanas. Eu tinha conversas transformadoras em cada encontro com os diretores e roteiristas. A partir disso, fiz pesquisa de roupas de alta costura. Essas marcas me traziam o elemento do que estava sendo construído hoje, aí eu sempre fazia o cálculo de desconstrução e proporção até o futuro representado no filme.
O filme tem uma história de resistência muito forte. Como isso é representado nas roupas?
Mostrando as pessoas não como fragilizadas e simples. Tem uma atitude no figurino que esse processo de caracterização conseguiu, com as cores vibrantes, o processo de lavagem das peças, os adereços. Não focamos naquele estereótipo de tecido de algodão sem cor.
Como foi para caracterizar Lunga, personagem mais marcante do filme?
Foi bem desafiador. A gente precisava representá-lo ele em dois momentos bem distintos: um como refugiado, em situação desumana, se escondendo; o outro como líder, com força e com vaidade. Um cangaceiro contemporâneo. Lunga tem dois figurinos no filme, que precisaram ser muito certeiros. E foi. O desdobramento dele no filme foi muito incrível, e o figurino com certeza contribuiu para isso.
Para finalizar, o que te chama a atenção no cinema pernambucano, principalmente na sua área de figurino
A gente em Pernambuco passou a ter agora universidades de cinema. Mas antes não tinha isso. Acaba que a formação das pessoas que trabalham com cinema são totalmente diversas. Talvez isso seja importante porque é como se tivesse mais liberdade num processo de construção, e acho que isso traz mais diversidade aos filmes pernambucanos, e acho que isso acaba marcando as produções. Eu tenho um processo de liberdade um pouco maior.
*Estagiária sob a supervisão de Igor Silveira