postado em 18/09/2019 04:17
Quando deu os primeiros passos para criar uma brincadeira com cara de cerrado, Tico Magalhães e os 14 integrantes do Seu Estrelo tinham na cabeça algumas coisas definidas. ;A ideia, desde o começo, era essa coisa do descolonizar um pouco: a partir da gente a gente brinca, a partir da gente a gente se faz. Então, a gente tinha essa coisa de assumir nosso local, nossa comunidade, o cerrado. Era muito a proposta do grupo;, conta. Hoje, quando olha para trás, o brincante até acha que soava pretensioso, mas a ideia vingou e criou raiz no chão seco do cerrado para completar 15 anos com uma tradição (seu estrelo hoje é tema de vestibular), uma sede e até uma escola.
As festividades começam amanhã com uma série de oficinas e culminam, no sábado, com festa cuja lista de convidados especiais inclui a participação da Família Salú, da Orquestra Alada Trovão da Mata e do grupo Guarda de Moçambique de Santa Efigênia. Amanhã, acompanhado de cinco irmãos e dois sobrinhos, Manoelzinho Salú também faz uma aula-espetáculo para contar como o pai, o mestre pernambucano Salustiano, ensinava as brincadeiras para os filhos e como tudo começou.
Tico Magalhães conta que, no início, quando o convidaram para participar da brincadeira havia uma expectativa de que ensinasse maracatu. ;Quando me convidaram, eu estava voltando de Recife e era para fazer uma oficina de maracatu. E, desde o primeiro momento, falei ;maracatu tá lá, a força dele tá lá;, e contei que a ideia era criar uma brincadeira pra cidade, juntar a invenção da cidade com a invenção da cultura popular;, lembra. ;Para gente, é muito legal como a cidade também tomou conta da brincadeira, a gente fez pra ela mas, ao mesmo tempo, a cidade se apropriou da brincadeira.;
Assim nasceu o Mito do calango voador e as dezenas de outras histórias que foram dando cara e forma ao Seu Estrelo, uma entidade protetora do cerrado nascida de uma a paixão entre o rio e uma moça. A história veio acompanhada de outra invenção, o samba pisado, um ritmo inspirado nas brincadeiras nordestinas do cavalo-marinho, mas com cara de cerrado. ;O samba surge quando me toquei da história, quando a gente começou a brincar com ela;, garante Magalhães. ;As figuras eram novas, tudo era muito novo, senti que a brincadeira precisava ter um coração próprio. Não dava para ser o que já existia, precisava criar algo e veio a ideia de criar esse ritmo, o samba pisado.; O ritmo tem como base a pisada do cavalo-marinho, como os brincantes dançam, e junta instrumentos do afoxé, do maracatu virado e do maracatu rural.
As brincadeiras, hoje típicas do cerrado, formam a base da programação do Centro Tradicional de Invenção Cultural, criado há quatro anos para abrigar as atividades do grupo e também uma escola. No total, são 30 alunos de percussão e 30 de teatro, além do projeto Casa de Fita, voltado para o ensino do mito do calango do cerrado para as crianças. ;A gente passa o samba pisado. E o legal, hoje, é que, desde o começo a galera vinha pra querer brincar com as figuras do Seu Estrelo;, conta Tico Magalhães.
Se a aula-espetáculo de Manoelzinho Salú e irmãos é destinada aos ensinamentos de mestre Salustiano, fundador do maracatu rural Piaba de ouro, a apresentação de sábado é uma homenagem, também, ao Seu Estrelo. Manoelzinho conta que o pai. morto em 2008, era amigo do pai de Tico e que o capitão, durante a infância e fase adulta frequentava a casa do mestre pernambucano para brincar e absorver a cultura popular. ;Tico ia para aprender não só a cultura do baque solto e do cavalo-marinho, mas a vivência, a linguagem. Ele passava a noite lá bordando com a gente. E meu pai também tinha admiração grande pelo pai de Tico, eles se tornaram grandes amigos. Depois os meninos começam a criar as festas deles e a convidar a gente, e essa amizade dura até hoje;, lembra Manoelzinho.
Para ele, o fato de Seu Estrelo ter conseguido criar uma linguagem própria, com o samba pisado, o mito do calango e os personagens locais, é prova de que está perpetuando e fortalecendo uma cultura que dialoga com todo o Brasil. ;Eles já têm uma história;, aponta o brincante. ;É a luta da resistência. A cultura popular é uma coisa que não nasce na faculdade, mas no terreiro, com a resistência dos mestres. Mostra que a gente está vivo. A cultura popular sofre muito porque não é uma cultura de mídia, mas, por outro lado, a cada dia que passa a gente se fortalece.;
15 anos de Seu Estrelo
Amanhã, às 19h, aula-espetáculo para adultos com Manoelzinho Salú. Sexta, às 17h30, aula-espetáculo para crianças com Família Salú. Sábado, a partir das 19h, festa de 15 anos do grupo Seu Estrelo. No Centro Tradicional de Invenção Cultural (SCES 813 sul). Entrada: gratuita