Foi preciso Cristian Budu ganhar o prêmio máximo, além de dois outros, no Concurso Internacional de Piano Clara Haskil de 2013, realizado a cada dois anos na Suíça, para que o Brasil reconhecesse o jovem paulista de Diadema como a grande promessa da nova geração de pianistas brasileiros. De lá para cá, a carreira deslanchou. Budu ganhou o prêmio Instrumentista do Ano da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), em 2017, teve o nome classificado na lista Top 10 Chopin Recordings e Top 10 Recente Beethoven Recordings da revista Gramophone, ao lado de ícones como Martha Argerich e Maria João Pires, e ganhou 5-Diapason, da revista francesa Diapason, por gravações de Prelúdios, de Chopin, e Bagatelles, de Beethoven. Hoje, Budu sobe ao palco do Auditório do Centro Cultural ADUnB para mostrar um pouco dessa trajetória em recital da série Piano Brasileiro, realizada pelo Instituto Piano Brasileiro. Não é a primeira vez do pianista em Brasília. Em 2006, aos 18 anos, ele participou do II Concurso de Piano Grieg-Nepomuceno, na sala Martins-Pena do Teatro Nacional, e ficou em segundo lugar.
No programa brasiliense, o pianista incluiu algumas de suas especialidades ; os 24 Prelúdios de Chopin e a Kreisleriana, de Schumann ;, além das Impressões seresteiras, de Heitor Villa-Lobos. ;É uma peça muito boa para começar o programa;, avisa o pianista. ;É bastante evocativa, remete ao ambiente carioca do começo do século 20 e traz a temática da seresta, um sotaque muito especial em relação à dialética musical brasileira.; Influências de ritmos brasileiros marcam a peça, que faz parte do Ciclo Brasileiro, um conjunto de quatro músicas tecnicamente muito exigente para qualquer pianista.
Em seguida, Budu executa a Kreisleriana, uma partitura quase autobiográfica. Inspirada no personagem Johannes Kreisler, protagonista de três romances do escritor alemão Ernst Theodor Amadeus Hoffmann, ícone da literatura romântica, a música de Schumann faz também referência à própria vida do compositor, que sofria com depressão e, possivelmente, de esquizofrenia. Questões existenciais seguem nos prelúdios de Chopin. O compositor estava muito doente quando escreveu o livro, uma de suas obras-primas, e reflexões sobre a vida e a morte se alternam nesse conjunto de pequenas peças. ;Ele escreveu inspirado no Cravo bem temperado, de Bach, e colocou cada prelúdio em uma tonalidade, representando a vida e a morte. Chopin sobreviveu a essa doença e ficou essa peça extremamente emblemática do repertório pianístico;, ensina Budu.
As gravações do pianista para os 24 Prelúdios de Chopin citadas pela Gramophon são, também, uma tentativa de olhar para um repertório incontornável com uma expressão própria. Há centenas de gravações dessas peças e o desafio de Budu foi trazer sua própria leitura. ;É sempre um difícil revisitar uma peça, ainda mais uma peça tão tocada e gravada tantas vezes, mas tento sempre voltar para o texto e ter uma nova interpretação, ver por um novo lado. Tento manter viva essa leitura, ou essa releitura, porque se não a gente acaba trazendo à tona um dos chavões maiores da música clássica que é dizer que ela é previsível porque está escrita ou é gravada. Então, tento sempre abrir um pouco as portas da imaginação.;
O recital em Brasília, a convite do Instituto Piano Brasileiro, faz parte de uma iniciativa que combina duas práticas muito caras a Budu; a divulgação de artistas brasileiros e a acessibilidade à música erudita. Essa última é um compromisso do pianista, criador do projeto Pianosofia, que leva saraus à casa das pessoas e a locais de confraternização. Budu acredita que a formalidade em torno da música erudita só serve para afastá-la do público e, por isso, criou, em parceria com o pai, Nicolae Budu, um programa para promover ;valores humanos e valores artísticos; em todas as comunidades. ;A ideia é levar a música clássica para a casa das pessoas, para ambientes que não são a sala de concerto, para mostrar que, no fundo, é uma música feita para chegar nas pessoas e falar uma língua universal que todos podem entender;, explica.
Radicado em Berlim (Alemanha), mas cidadão do mundo e, principalmente, do Brasil, onde tem feito concertos acompanhados de sinfônicas como a Osesp, a Filarmônica de Minas Gerais e a Sinfônica do Pará, Budu, 31 anos, olha para a terra natal como um celeiro de talentos não descobertos, um lugar onde a diversidade é capaz de fazer com que os músicos sobressaiam muito mais que na Europa. Filho de imigrantes romenos, fã de futebol e esportes, área que teria seguido não tivesse descoberto o piano antes dos cinco anos, ele tem uma visão generosa e universal da música erudita. Em entrevista ao Correio, o pianista conta como é preciso despir o gênero dos clichês que o embalam há séculos.
Série Piano Brasileiro com Cristian Budu
Hoje, às 20h, no Auditório do Centro Cultural ADUnB (UnB, Campus Darcy Ribeiro, próximo ao Teatro Dois Candangos). Ingressos: R$ 200, R$ 230 e R$ 260
Quatro perguntas /Cristian Budu
Você consegue inserir Villa-Lobos nos programas de recitais e concertos na Europa? Como ele é recebido?
As pessoas se dividem um pouco, não é unânime, mas a unanimidade é sempre um pouco perigosa em questões estéticas e de opiniões, ainda mais quando estamos falando de gosto musical. Villa-Lobos é o mais conhecido na Europa dos compositores brasileiros. As pessoas recebem bem. É uma linguagem que elas desconhecem, mas elas são bastante curiosas com peças de compositores que não são tão familiares, embora Villa-Lobos tenha bebido muito da música Europeia, tanto quanto da música brasileira.
Que lugar a música erudita brasileira tem nos programas internacionais? Ainda é tímida sua presença?
Sim, a música brasileira ainda não tem tanto espaço nos palcos internacionais. Villa-Lobos é mais conhecido, mas tem tantos compositores que poderiam ser mais divulgados. É um trabalho que pretendo fazer. Até agora, consegui inserir Villa-Lobos, Ernesto Nazareth e Francisco Mignone também, mas quero fazer cada vez mais. Estou preparando justamente um programa de compositores brasileiros para começar a rodar na Europa e Estados Unidos no ano que vem.
Sobre ser pianista no Brasil: o aeroporto ainda é a única forma de ter projeção? Por quê?
No Brasil, assim como em vários outros lugares, o pianista precisa viver um pouco no aeroporto se ele quiser projetar a carreira, mas a vida do músico é um pouco essa, construir contatos e estar em ambientes diferentes. No Brasil, o espaço para a música clássica ainda é um pouco mais restrito, por vários motivos, mas acho que o músico que quer fazer uma carreira e crescer tem que estar o tempo todo viajando. É um desafio grande ao mesmo tempo se aprofundar na música e conseguir ter uma certa reclusão para poder ter o contato íntimo com as peças, que não é fácil de alcançar.
Como você encara a presença da música erudita na vida do brasileiro?
Acho que ainda existe um preconceito muito grande, sim, com a música clássica e a partir da música clássica, infelizmente. É uma música que ainda tem uma imagem relacionada à elite muito fortemente também porque muitas das pessoas, das sociedades que financiam projetos, das orquestras acabam vindo daí. A gente pode mudar um pouco essa imagem justamente mostrando que o assunto não tem a ver com essas estruturas.