Quando Fernanda saiu do papel e ganhou vida nos palcos, a personagem era uma espécie de superego da atriz Mônica Martelli. Na comédia Os homens são de Marte... E é pra lá que eu vou, histórias de uma mulher em busca do amor conquistaram o público com uma autenticidade e um humor particulares. Teatro, televisão, cinema. Fernanda alcançou um protagonismo que sua criadora não imaginava e hoje, 14 anos depois, se tornou um superego de homens e mulheres abertos a se relacionar, amadurecer e, sobretudo, se autoconhecer a partir das vivências.
Após o sucesso comprovado em números altos de audiência e bilheteria, Mônica encara de novo a personagem. Contudo, traz novas histórias e outros olhares. Muitos deles oriundos da relação da atriz com a diretora e irmã, Susana Garcia. ;Minha Vida em Marte é contada sob o olhar de uma mulher e ter uma mulher diretora é como se a gente estivesse casada. Não tem discussão na hora de ensaiar. A gente se entende na troca de olhares. São experiências que nós mulheres sabemos;, descreve a atriz. Desta vez, Fernanda busca respostas para a sobrevivência conjugal, mas, não deixa de dialogar com os espectadores sobre os dilemas do dia a dia.
Em agosto, Mônica Martelli veio a Brasília em turnê com a peça Minha Vida em Marte e conversou com o Correio sobre as novas aventuras da personagem e os reflexos da atuação em sua vida.
Você costuma dizer que a Fernanda tem muito de você, mas qual o impacto da personagem na sua vida?
Como tudo que eu passo, eu escrevo, a Fernanda, na minha vida, é responsável por me entender melhor. Vou elaborando tudo que acontece na minha vida, vou botando para fora e, você, quando põe para fora, você elabora. Por isso, é tão importante a terapia. É um caminho de autoconhecimento, entendendo quem você é, seus desejos. Então, a partir do momento que coloco tudo na Fernanda, eu acho que eu sei mais quem eu sou, conheço meus desejo. Apesar dos nossos desejos irem mudando ao longo da vida, e graças a Deus a gente muda na vida. Imagina quando você encontra aquelas pessoas que falam ser as mesmas desde os 15 anos, isso é de uma ignorância profunda. A graça da vida é você ir vivendo, experimentando, se conhecendo e ir mudando.
Em Minha vida em Marte, a Fernanda trabalha as questões conjugais na terapia. O que acha disso?
Realmente, acho que o mundo se divide em quem faz terapia e quem não faz terapia pelo simples fato de quem faz terapia - e aqui não falo de uma específica, mas das várias formas e cada um encontra a sua - você dá nome a seus sentimentos. Se você se relacionar com alguém que não dá nome aos sentimentos, você não sabe o que está passando, sentindo, vivenciando, é muito difícil. Estou namorando um cara agora que faz terapia, o nível de conversa já começa lá na frente. Tratar da cabeça é algo muito importante e as pessoas não deveriam ter preconceito. Tudo que é relacionado à cabeça, ao mental, ao psicológico envolve preconceito por de trás. Dizem que a pessoa é franca. Ainda existe esse ranço no Brasil e isso é de uma ignorância enorme também, porque a gente trata tudo do pescoço pra baixo e não vai tratar da cabeça? É o mais importante, que comanda a gente.
É possível separar a Fernanda da Mônica?
Quando eu escrevo, eu já estou distante da realidade que vivi. Estou separada há seis anos, Minha vida em Marte conta a história de uma mulher lutando para o casamento dar certo, uma mulher em crise no casamento, porque você quando casa, você idealiza a pessoa e a relação. Depois, a verdade chega. A Fernanda está ali passando por todas as intolerâncias do casamento, do dia a dia e, lá na frente, ela se separa, porque a Fernanda tem uma coisa parecida comigo, ela não atura qualquer coisa em nome do projeto ;família feliz;. Isso tudo eu passei há mais de oito anos. Depois que eu me separei, precisei de três anos para começar a escrever, porque a dor da separação é muito grande. Quando você se separa, você sofre por todo um futuro que você planejou e não vai ter mais. Você vai ter que reinventar uma vida. Depois que eu entendi tudo o que estava vivendo eu pude começar a escrever. Até porque a peça é uma comédia e, para você ter um olhar de humor em cima do que está vivendo, precisa de distanciamento.
Qual o desafio de estar com a mesma personagem durante tantos anos?
Gosto muito de falar de relação. Interesso-me por tudo que é ligado a seres humanos se relacionando, porque acredito que, na vida, a gente só evolui se relacionando. Por isso que, hoje em dia, não sei se admiro mais aqueles casais que estão há 30 anos juntos. Também admiro porque quando está com uma pessoa só vai evoluindo na relação, mas quando tem várias experiências amorosas, você vai se conhecendo melhor. Isso é uma forma de você evoluir muito. Fazer Minha vida em Marte foi um desafio, porque você quando vem de um sucesso muito grande, como foi Os homens são de Marte... E é pra lá que eu vou, a cobrança é muito maior, tanto minha quanto do público. Para mim, Minha vida em Marte é superior, porque eu amadureci, o texto é mais bem elaborado, a direção é primorosa. Veio com um desafio também porque estava falando de casamento e, geralmente, quando você fala de casamento é muito complicado, porque você pode cair na mesmice e falar mal de homem. Na minha peça, eu absolutamente não falo mal de homem. Eles se identificam também. Até porque eu acho que não existe um culpado em uma história de casamento, está todo mundo no mesmo barco tentando ser feliz e tentando dar certo.
Como falar de relacionamento e ser atual, sem conservadorismos?
Acho que é ser verdadeiro. O que você deseja para a sua vida dentro de uma relação. É você não ser hipócrita com você. É você não achar que feminismo é estar solteira. As pessoas confundem ser moderna, feminista com querer um amor, querer casar. Eu posso ser extremamente conservadora e ser solteira, ou eu posso ser extremamente liberal e ser casada. Você ser conservadora ou feminista é uma postura diária, não tem a ver com ser casada, solteira, querer amar e querer ser amado. A diferença é como você vai levar isso para dentro da relação. Vou deixar esse homem ser abusivo comigo? Quando tiver uma transa e não for feliz, não tiver prazer, eu vou falar? Você não ir para transa querendo agradar o homem, isso que é não ser conservadora. Não é não querer um amor.
Como falar de amor em tempos modernos? E os aplicativos?
Acho ótimo, só não entrei porque sou famosa. Se eu não fosse conhecida, teria entrado com certeza. Acho que o mundo está caminhando, as redes sociais, as tecnologias e os aplicativos podem ser uma forma de conhecer alguém, por que não? A gente é muito afetado pelo romantismo das princesas, dos filmes hollywoodianos, está introjetado na gente e não tem jeito. Quando você conhece alguém e está apaixonado, sempre perguntam como se conheceram e sempre querem uma história romântica. Quando você conhece por aplicativo, as pessoas ainda têm preconceito pra falar. Parece que fica frio. Tem que começar a desconstruir isso.
O que é feminismo no dia a dia para você?
É você estar atenta a suas atitudes diárias, porque todos nós somos machistas. O machismo é estrutural, está introjetado em todas nós. Diariamente, temos que acordar e falar ;não serei machista só por hoje;. São pequenas atitudes.
Você acha que hoje, com todos os avanços, as mulheres ainda enfrentam preconceitos? Principalmente, após o fim de um casamento.
Enfrentam porque existe um machismo introjetado, existe ainda uma valorização da mulher ser casada, existe ainda uma valorização da mulher que mantém um casamento, como se a mulher fosse responsável por manter o casamento. Há também uma desvalorização da mulher que está sozinha depois dos 40 anos, uma desvalorização da mulher sem marido. Isso é com o tempo. A gente está entendendo que pode ser feliz sozinha também, pode ser feliz após o casamento, que o melhor para os filhos é ter pai e mãe felizes. A mulher está hoje conseguindo entender e mostrar que é possível, mas ainda existe o preconceito no olhar de desmerecimento.
Para você, o que significa uma mulher bem-sucedida?
Acho que uma mulher que está feliz com o que ela está produzindo. Feliz no trabalho, feliz no amor, feliz com os filhos. Não é que ela tem que ser 100% nessas três áreas. Isso é impossível. A gente não é mulher maravilha. Uma mulher bem-sucedida é aquela que entende que não dá para ser 100% em todas as áreas da vida o tempo inteiro. Uma hora vai priorizar o namorado, na outra a filha, na outra o trabalho e assim vai. A gente quer ser independente financeiramente, quer amar, namorar, quer ser mãe, mas entendendo que não dá pra ser 100% o tempo inteiro. Tem que trabalhar para não se cobrar muito.