Conheci Jackson do Pandeiro em 1972, quando o convidei para cantar comigo e Geraldo Azevedo no Festival Internacional da Canção daquele ano. Eu havia composto Papagaio do futuro, que falava em metáforas sobre a crise do petróleo vivida no período e, por se tratar de uma embolada, achei que Jackson traria algo de especial à canção. Foi então que eu e Geraldo decidimos bater em sua porta, no subúrbio carioca de Invernada de Olaria.
Quem atendeu a porta foi o cunhado dele. Pedimos para chamá-lo e aguardamos do lado de fora. Pouco depois aparecia Jackson, com ar desconfiado e cara de poucos amigos. Ele não gostava nada de cabeludos, a quem associava ao pessoal da Jovem Guarda, movimento que, segundo ele, estava ;acabando com a música brasileira;. Perguntou o que desejávamos, eu expliquei que havíamos inscrito uma música (Papagaio do futuro) no FIC e gostaríamos da participação dele. Ele estranhou: ;Mas que tipo de música?;. Quando expliquei que era um coco, uma embolada, ele arregalou os olhos ainda desconfiado e me pediu que a cantasse. Eu bati palmas e fui: ;Estou montado no futuro indicativo / já não corro mais perigo / nada tenho a declarar / terno de vidro costurado a parafuso / papagaio do futuro num para-raio ao luar;. Aos poucos, Jackson foi mudando de semblante. Entusiasmado, gritou para o povo de casa: ;Venham ouvir isso aqui. Esses dois cabeludos não são cabras safados, não;. E foi assim que ele aceitou participar do festival conosco.
No dia da apresentação, no Maracanãzinho, as coisas não saíram como planejamos. Desde a passagem de som, Jackson alertava que havia uma grande distância no palco entre nós, os cantores, e o restante da banda, da qual fazia parte o futuro sambista Bezerra da Silva entre os percussionistas. Uma vez que o festival seria transmitido pela TV, fomos obrigados a seguir a orientação dos diretores quanto às nossas posições em cena. Na hora H, devido à distância, não conseguíamos escutar a banda, atravessamos muito, e acabamos eliminados.
Nos bastidores, depois da apresentação, Jackson estava inconsolável. Lembro dele queixando-se aos jornalistas, arrasado por termos atravessado: ;Até o João Gilberto diz que eu sou o maior ritmo do Brasil;. Anos depois, em 1978, fui convidado para cantar ao lado do Jackson no Projeto Pixinguinha e percorremos juntos várias cidades do Brasil. Jackson foi, inclusive, quem me incentivou a cantar frevo, um gênero que eu até então evitava, por conta de toda a sua complexidade rítmica. Ele me dizia: ;Pra cantar frevo, tem que ter queixada;, ou seja a capacidade de articular as palavras dentro da métrica. A partir de seu incentivo passei a cantar e compor frevos, alguns deles em parceria com Carlos Fernando, como Sou eu teu amor, lançado por Jackson em dueto com Gilberto Gil na série de discos Asas da América.
Em 1979, incompatibilizado com as gravadoras, decidi passar um ano de autoexílio fora do país. Numa noite fria em Paris, comecei a escutar alguns discos de Jackson que havia na casa em que eu estava hospedado. Inspirado por aquelas audições, e com muita saudade do Brasil, compus Coração bobo. Ao voltar ao país, convidei Jackson para cantar a música comigo no Festival da Tupi. Os versos originais eram: ;o coração dos aflitos / explode dentro do peito;. Jackson propôs uma modificação decisiva na letra da canção: ;Troque explode por pipoca;, sugeriu. E a música ficou: ;o coração dos aflitos / pipoca dentro do peito;. Muito melhor!
Ensaiamos Coração bobo e fomos juntos para São Paulo onde interpretamos a canção no festival. Acabamos novamente eliminados, mas no dia seguinte fui convidado por Marco Mazola para ingressar na gravadora Ariola. Em poucos meses, saía o álbum Coração bobo, puxado pela música-título, que logo se tornaria meu primeiro grande sucesso nacional.