Debruçada sobre uma mesa de luz, a francesa Lor;ne Bihorel transforma o teatro em uma sala de mágica. Não há chapéus com coelhos, lenços vermelhos nem caixas com facas, apenas areia. Com a ajuda de sons e de uma habilidade aperfeiçoada ao longo dos últimos sete anos, ela mergulha em uma viagem na qual há dezenas de histórias a serem contadas, todas encadeadas pela poesia, pelos efeitos visuais relativamente simples e pela música. Sonhos na areia, em cartaz neste sábado (31/8) na programação do Cena Contemporânea, é um convite para passear em um universo muito particular e delicado, no qual a mão da artista está a serviço da contação, mas também é responsável por uma arquitetura que envolve o desenho na areia.
Filha de um casal de pintores, Lor;ne aprendeu a desenhar de forma autodidata ainda na infância. Aos 15, descobriu o desenho na areia graças a um vídeo de uma artista ucraniana. Ali, como se fosse mágica, a menina, capaz de passar dias debruçada sobre um desenho, se encantou com a possibilidade de fazer e transformar os traços em questão de segundos graças à maleabilidade da areia. Ainda adolescente, ela também se interessava pelo teatro e acabou por ingressar em uma escola de artes dramáticas, mas era tímida demais para subir ao palco.
Lor;ne passou alguns anos trabalhando com animação em asilos, sessões durante as quais interagia com idosos e nas quais aprendeu a ter mais autoconfiança. Um dia, ela redescobriu o vídeo da ucraniana e o rumo do trabalho mudou. ;Quando comecei a desenhar com areia, não sabia ainda que isso se tornaria um espetáculo.Na época eu era ainda muito jovem para imaginar fazer algo com isso. Descobri essa técnica há sete anos;, lembra. ;A areia permite dar vida ao desenho, é um material muito reativo e que permite o nascimento do desenho muito rapidamente. É delicado de controlar, mas quando encontramos os gestos certos, conseguimos fazer um desenho animado ao vivo.;
Com ajuda do também artista Djoé, ela construiu o material necessário para montar um espetáculo, um conjunto com mesa de luz e iluminação muito específicos. ;Foi graças a esse amigo que conseguiu construir o material do qual eu necessito, à medida que eu descobria os desafios da técnica. Nós nos lançamos nesse projeto de repente e a aventura começou;, conta a artista, que faz mistério sobre o conteúdo das histórias que contará hoje no teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Sonhos na areia é composto de uma dezena de histórias que se encadeiam em um universo poético, onírico e divertido. ;Tenho vontade de fazer o espectador sonhar, de surpreendê-lo. As histórias são o suporte de todas as transformações visuais que a técnica do desenhos sobre a mesa oferece;, avisa a artista. E quais são as histórias? ;Surpresa! Como o espetáculo é muito visual, não é evidente contar as histórias sem desvelar as surpresas. O mais surpreendente é ver os desenhos se transformarem e isso não dá para contar, é preciso ver;, responde. Mas vai uma dica: o que faz Lor;ne sonhar é a música, a natureza e o céu. ;E um monte de outras coisas da vida;, garante. E o que inspiram as histórias são narrativas inspiradas em Cleópatra, Aladim e o conto do imperador e do rouxinol.
Nessa construção, a luz e a música têm papéis fundamentais. Elas são responsáveis pelo movimento, pelas texturas e pela criação de um universo particular. ;Quanto mais areia eu coloco, mais a imagem é escura, são como sombras chinesas. A música vem para dar uma atmosfera, ela permite uma imersão completa nas histórias;, diz Lor;ne. É preciso estar preparado, enquanto espectador, para a efemeridade do conjunto. A beleza dos desenhos se desfaz com muita facilidade, já que uma forma leva a outra e é nessa sucessão de imagens que a narrativa ganha corpo. ;Às vezes, os espectadores ficam frustrados de ver os desenhos se apagarem e, no entanto, é também isso que cria uma excitação e que nos faz estarmos plenamente presentes em relação ao que é representado. Para mim, é um jogo divertido porque eu sei para onde quero levar o espectador, eu sei que apago um desenho para dar lugar a um outro, a uma outra surpresa;, avisa a francesa.
Ao longo do tempo, graças à prática, ela adquiriu a habilidade de realizar desenhos de linhas tão finas e precisas quanto aqueles feitos com a ponta de um lápis. A areia é complicada de dominar e boa parte da dificuldade está em encadear uma forma na outra. ;É preciso conseguir harmonizar tudo, o ritmo do desenho, o texto, a música, os efeitos sonoros; Uma vez em cena, tudo deve ser muito fluido;, repara a artista, que encara cada apresentação como uma chance de aprimorar a técnica. Sonhos na areia já teve mais de 750 apresentações em vários países e acabou por ganhar o Prêmio do Público no festival Avignon Off, em 2014.
Sonhos na areia
Com Lor;ne Bihorel. Hoje e amanhã, às 20h, no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). R$ 40 e R$ 20 (meia)