Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

As novas vivências da Scalene


;Sempre aos poucos, devagar/ Sem atalho pra chegar lá;, canta Gustavo Bertoni na faixa Tabuleiro, a segunda do disco Respiro, o mais novo álbum da banda brasiliense Scalene, quase que explicando o caminho traçado pelo grupo para chegar ao conceito do novo material. Respiro é o trabalho mais diferente da carreira do quarteto ; composto ainda por Tomás Bertoni (guitarra), Lucas Furtado (baixo) e Philipe ;Makako; Nogueira (bateria) ;, por se afastar do rock pesado de outrora para flertar com a brasilidade da bossa nova, do samba e da MPB.

A nova sonoridade, apesar de distinta, vinha se desenhando. Em 2017, quando a Scalene lançou Magnetite foi possível notar a influência dos gêneros da música popular brasileira e do momento atual que o país vivia, com discursos mais combativos. ;A gente sempre gostou muito dos ritmos brasileiros. A gente tem começado a deixar o nosso show mais brasileiro. No Magnetite ficou bem evidente e, nesse álbum, mais ainda. Trouxemos bastante o que a gente escutava de MPB e de bossa nova quando mais novos. Por mais que a gente seja uma banda nova, temos 10 anos de carreira, queríamos no quarto álbum nos permitir e nos desafiar;, revela o vocalista Gustavo Bertoni ao Correio.

Só que a diferença é que Respiro, como o nome indica, adota uma leveza. Natural, já que o álbum foi concebido inicialmente para ser um material acústico. ;Quando pensamos em Respiro, pensamos que era autoexplicativo. Esse CD nasceu a partir da comemoração de 10 anos e da busca por novas experiências e vivências. Nisso pensamos em formatos de shows, a partir disso surgiu a ideia de fazer algo que seria mais acústico. Conforme fomos compondo, com um processo de querer sair da zona de conforto e trazer novas referências, virou um outro disco, que preserva um pouco dessa nascente acústica dele, mas que foi para vários outros caminhos;, explica o artista, que é o principal compositor das 13 faixas do CD.

E não é apenas a sonoridade que adota um ar mais sútil, as letras também. ;Um dos motivos para ir para esse lado mais calmo, de respeito, é porque a gente está lidando com muita tensão, angústia, bombardeamento de desinformação, polarização e muito ódio. É importante no processo de entender tudo isso, dar um passo para trás, respirar e ter tranquilidade nesse caos. O magnetite é angústia como cidadão, mais explosiva, mais combativa, um fogo. Agora, a forma que a gente quis se expressar, foi com um contraste;, completa o vocalista. Isso é perceptível, por exemplo, na faixa Esse berro, gravada com Ney Matogrosso, em que a dupla canta: ;Esse berro/ Esse grito/ Ele é meu sorriso/ Vai embora, quero ver o Sol nascer/ Nesse lugar de amor;.

Parcerias

No disco que marca os 10 anos de banda, a Scalene contou com quatro participações especiais para incrementar o material: do bandolinista Hamilton de Holanda, dos cantores Ney Matogrosso e Xenia França, e do instrumentista Beto Mejia, da banda Móveis Coloniais de Acaju. ;Foi uma experiência maravilhosa colaborar com esses artistas. Para mim, como compositor, é uma honra ter uma galera desse naipe e dessa experiência disponível para gravar e gostando da música;, afirma Gustavo Bertoni.

Ney Matogrosso empresta a voz em Esse berro. A presença do artista no álbum se deve ao diretor artístico do álbum, Marcus Preto ; que trabalhou nos discos mais recentes de Gal Costa, Tom Zé, Nando Reis e Silva e em Respiro atuou com produtor Diego Marx ; que fez o meio de campo. ;Chegamos ao Ney via Marcus Preto. Ney achou a música esquisita, mas também maravilhosa;, lembra. A faixa foi um das primeiras a ser divulgada antes do lançamento oficial do disco.

A canção ganhou um clipe duplo com Furta-cor, em que a Scalene divide os vocais com Xenia França em um R. ;Eu não estava presente na gravação com a Xenia, mas meu irmão (Tomás Bertoni) me contou que eles conversaram por umas duas horas sobre a letra da música e a vida em geral. Ela acabou expandindo o significado da música pela forma como ela interpretou;, comenta.

Conterrâneo do quarteto, Hamilton de Holanda, que fez e faz carreira em Brasília, dá a sonoridade do samba e do chorinho em Vai ver, música que abre o álbum. ;Surpreendeu-me a simplicidade dele. Ele foi muito certeiro na música, deixou a impressão dele sem querer puxar a atenção. Ele tem uma humildade musical que transpareceu na sala de gravação;, diz o vocalista da banda. Também de Brasília está a flauta de Beto Mejia em Ilha no céu, um dedilhado folk que aborda os ciclos geracionais: ;Raiz é bom/ Nos faz crescer/ Raiz é bom/ Pode morrer/ Por minha avó/ Por minha mãe/ Serei melhor/ Que foi meu pai;.

Respiro
De Scalene. Slap, 13 faixas. Disponível nas plataformas digitais.