As primeiras opções de Simone Menezes passavam longe da música. Apesar de ter crescido em uma casa musical, com direito a participação no coro da Igreja Batista, ela não chegou a cogitar o estudo da música quando veio a hora de fazer vestibular. Pensou em economia ou relações internacionais. ;Mas não tinha jeito, tinha que fazer música. Como sempre cantei em corais desde criança, logo, aos 15 anos, eu ajudava o regente em ensaios e tudo era muito natural;, conta.
Não teve jeito mesmo. Ela se tornou uma das poucas maestrinas brasileiras no cenário da música de concerto nacional. Aos 40 anos, foi uma das três finalistas do Music and Women Maestra (Mawoma), o primeiro concurso mundial dedicado a maestros mulheres, cuja final foi realizada em abril, em Viena. Radicada há três anos em Lille, no norte da França, Simone regeu orquestras importantes, como a Orquestra de Paris e a Filarmônica de Viena, além de ter sido aluna do maestro Paavo J;rvi, uma das maiores referências contemporâneas do mundo da regência.
Filha de um controlador de voo do Sindacta, Simone nasceu e cresceu em Brasília. Quando o pai foi transferido, ela se mudou para Campinas (SP) e ingressou na Unicamp para estudar música. ;A música sempre esteve muito presente em minha casa, vim de uma igreja com forte tradição de coral, cantava em corais desde 6 anos e comecei meus estudos de música aos 7;, conta.
Ainda na graduação, ela criou a Orquestra Sinfônica Jovem da Unicamp, que regeu durante o curso. ;Quando fui pra Unicamp, regência nem era minha primeira opção, gostaria de fazer flauta, mas acabei decidindo ir pra regência, depois sentia falta de uma orquestra de jovens na universidade e criei, aos 20 anos, a minha primeira orquestra na Unicamp;, explica. ;Sempre gostei de trabalhar com pessoas e, entre as disciplinas da música, a regência permite esta abordagem direta, o instrumento em si é formado por pessoas.;
Simone saiu da universidade aos 26 anos, graduada em regência, para logo em seguida passar em concurso da própria Unicamp e começar a reger a orquestra da instituição. Mas foi na França que ela se deu conta das possibilidades e do alcance da profissão. Aos 28 anos, ingressou na École Normale de Musique de Paris. ;Naquele momento vários horizontes começaram a se abrir;, lembra.
O mundo da regência sempre foi muito masculino e machista. São notórias as posições de maestros famosos que acreditavam que orquestras não eram lugares para mulheres, como Herbert von Karajan. Simone, no entanto, não percebeu imediatamente a hostilidade do mundo no qual adentrava. ;Eu demorei para entender que o fato de ser mulher era um desafio. Não senti isso durante os estudos, comecei a perceber quando, no mercado de trabalho, via que pessoas menos preparadas que eu e minhas colegas mulheres tinham oportunidades que nós não tínhamos;, destaca.
Segundo estudo da revista francesa Diapason, das 744 orquestras pesquisadas, apenas 32 tinham mulheres como regentes. É um número muito pequeno. ;No Brasil, a Ligia Amadio foi a primeira mulher a se tornar regente de uma orquestra profissional à frente da Orquestra Sinfônica Nacional da UFF e eu fui a segunda, à frente da Orquestra Sinfônica da Unicamp, isto em uma época que havia 2% de mulheres regentes atuando no mercado profissional (hoje temos por volta de 4 % por dados mundiais);, afirma. Em entrevista, Simone fala sobre as dificuldades do meio e as soluções para mudar esse cenário.
ENTREVISTA/ Simone Menezes
Por que escolheu morar na França? Que condições são propícias ao seu projeto musical aí?
Amo o Brasil, mas tive muita dificuldade em criar um projeto no Brasil que tivesse continuidade. Na minha experiência pessoal, cada mudança de governo representava uma descontinuidade importante, que não permitia chegarmos a um nível de trabalho alto que um projeto de longo prazo permite. A Europa também tem seus desafios, mas por enquanto aqui é o meu lugar. A escolha da França foi uma decisão de vida pessoal, fiz meus estudos aqui, meu marido trabalha numa empresa francesa Lille, a cidade que vivo, é estratégica na Europa, pois fica por volta de uma hora de três capitais... Paris, Bruxelas e Londres!
Ser mulher à frente de uma orquestra ainda é uma coisa rara. Quando e como você percebeu que isso seria um desafio? E quais os maiores desafios que enfrentou nesse sentido?
Só como exemplo temos mais de 30% de mulheres nas grandes escolas de regência do mundo, mas menos de 4% no mercado profissional. As oportunidades não se abrem, e as mulheres que se estabelecem são aquelas que ;criam; suas próprias orquestras primeiramente, o que demanda uma dupla competência, musical e empreendedorismo. O maior desafio é este, ter que sempre encarar esta dupla jornada de trabalho! Acredito que há uma perspectiva de mudança no horizonte.
Qual a solução, na sua opinião, para aumentar o número de mulheres à frente das orquestras? E por que há discriminação nesse sentido?
A solução é simples, basta que cada regente ou diretor de programação coloque como meta de sua orquestra convidar pelo menos 30% de mulheres para a temporada! O problema não está no público, via de regra, o público é curioso e gosta de mulheres à frente da orquestra, a mudança tem que vir das pessoas que estão à frente das orquestras. O público e a opinião pública, lógico, podem ajudar a incentivar estes programadores!
Você regeu orquestras importantes como a de Viena e a de Paris. Qual o maior desafio de reger essas sinfônicas e o que uma maestrina brasileira acrescenta à frente de orquestras tão tradicionais como essas?
Regi a Wienner Kammerorchester e a Orchestre de Paris em situações de concurso, regi também diversas outras orquestras importantes em situações de concerto. Os estereótipos existem infelizmente, se encontrarmos um alemão que veio tocar pandeiro no morro vamos demorar para acreditar que ele sabe o que faz, da mesma forma, as orquestras tradicionais gastam um pouco mais de tempo para ganhar a confiança além do estereótipo de uma mulher brasileira.
Sobre o repertório brasileiro, você consegue inseri-lo com facilidade quando é convidada para reger as orquestras europeias? Há resistência? Como Villa Lobos é recebido?
Sempre que posso, insiro o repertório brasileiro, algumas orquestras são muito curiosas, outras, mais resistentes, varia muito. Recentemente fui surpreendida com uma reação superacalorada a Villa-Lobos no Japão. A música de Villa-Lobos evoca esta natureza exuberante dos rios e florestas e a natureza é um valor importante para o Japão por issto foram muito tocados por esta música.