;Estamos no corre. Vivemos momentos corriqueiros, iguais ao de todo cidadão brasileiro, de todo homem preto e periférico.; Poderia ser uma declaração de quem está no começo de carreira, buscando um espaço no cenário musical, mas é a fala de Edi Rock, um dos pioneiros no rap brasileiro, em entrevista ao Correio. Ele completa, ao lado de Mano Brown, Ice Blue e KL Jay, a formação do Racionais MC;s. O grupo paulista é o mais importante grupo de rap do país, com músicas que falam sobre a vida de jovens negros e pobres das periferias brasileiras, atreladas ao racismo e preconceito diário. Crimes, violência, drogas e exclusão social são temáticas recorrentes nas composições ; e na vida dos integrantes.
Em 2019, os rappers estão rodando o Brasil com uma turnê comemorativa de 30 anos, cantando todos os sucessos da carreira, em um show inédito, com a presença de vinte instrumentistas fazendo os arranjos ao vivo. Eles se apresentam em Brasília hoje. Confira a entrevista com Edi Rock, na qual o artista fala sobre o rap, a carreira, e o momento político e social do país.
*Estagiário sob a supervisão de Igor Silveira
Racionais 3 Décadas ; Tour 2019
Ginásio Nilson Nelson (Eixo Monumental). Hoje, às 21h. Show com o rapper Misael e com Racionais MC;s. Ingressos a partir de R$ 50. Não recomendado para menores de 16 anos.
Entrevista // Edi Rock, do Racionais
Como é o show dessa turnê?
A gente faz uma trajetória desde o começo dos Racionais. Tocamos Tempos difíceis, Pânico na Zona Sul, Hey Boy, Racistas otários, Fórmula mágica da paz, Beco sem saída, Voz ativa; Lembramos de uma época que, com o que a gente recebia, não tínhamos dinheiro para pagar estadia, alimentação e passagem. Atualmente, o pessoal vai nos shows e encontra uma baita estrutura legal. Isso é a vitória. Esses que são de Brasília e vão ao show fazem parte dessa história.
Qual a importância de tocar em Brasília?
A importância é a gente voltar em um lugar para comemorar 30 anos, que não são 30 dias. Estamos voltando em um lugar que viu esse homem de 30 anos crescer. Se você for ver como uma pessoa, Racionais, 30 anos, ele é um homem agora. Todos que acompanharam vão querer ir ao show, pois vamos cantar músicas de quando tínhamos 5 anos, 10 anos, 15 anos, 20 anos, e agora completando 30 anos de vida. Vivos e presentes para comemorar a jornada vitoriosa, de lembranças, de boas ideias, glórias e felicidades. Tem música que é trilha sonora de vida. Para quem vive Racionais, é o momento de relembrar coisas boas e ruins, mas principalmente coisas boas.
Você escreve e canta suas músicas com letras fortes. Qual é o sentimento e a motivação?
Eu vejo isso como um dever. Sempre penso na mensagem. Aprendi a fazer música desse jeito, com a mensagem. Eu gosto do jeito que aprendi. Vou te falar uma coisa, como rapper. Além de fazer o que eu amo e me divertir com o que eu trabalho, sou pago por isso e, tendo tudo isso envolvido, eu sou o cara mais feliz do mundo. E, como está dando todo esse retorno, acho que tenho que retribuir. Falo isso como ser humano. Você não pode perder a oportunidade. Por isso que a mensagem tem que estar sempre presente, de uma forma ou de outra. E comigo ela sempre estará, é algo natural. Eu faço rap com mensagem, até em música de amor vai ter mensagem. Sou agraciado, abençoado. Quantas pessoas têm o prazer de fazer o que gosta? É difícil. Vivo isso com o maior prazer da vida. O rap salva vidas, o rap me salvou. Por que eu não vou salvar vidas também? Mandar uma mensagem, um papo reto, uma ideia de carinho, um salve mínimo que seja, passar mensagens boas, da hora. As pessoas querem ouvir isso.
Depois de 30 anos e com tamanha popularização, como vocês acompanham os fãs?
A gente conhece o público. Racionais tem um público fiel e ele só cresceu. Além de ter um público que sempre ouviu, a nova geração cresceu ouvindo também. Tem a primeira geração, que é a nossa e a segunda, dos nossos filhos. Agora, a terceira, das crianças de 10 anos, que também está ouvindo. A tendência é só crescer.
O rap passou por momentos muito distintos desde o início do movimento no Brasil. Como isso influenciou na produção das músicas?
O rap cresceu nesses 30 anos. No começo, a gente conhecia todos os grupos de rap, todo mundo conhecia todo mundo. Hoje, de tantos grupos de rap que surgem diariamente, a gente não conhece mais. Resumindo, em uma conta de bate-bola rápido, para simplificar, o rap cresceu três vezes. Triplicou. Antes o rap era contracultura e agora é pop. Mudou bastante. Mas isso é bom, pois se popularizou. Antes era marginalizado, de bandido. Até certo ponto, o atual também é. Mas o de hoje não exerce o papel que a gente exercia. Esse rap que os moleques de hoje fazem não é tão marginalizado igual o nosso. Naquela época, a gente se referia à periferia, ao racismo e à injustiça social em todas as músicas. Hoje, não. Do que eu escuto, é sexo, drogas e rap. Ou melhor, sexo, maconha e rap. Mas tem que deixar bem claro que isso é uma fase.
Quando você começou a carreira de artista, poucas pessoas falavam em questões raciais. Qual é o sentimentode ser um dos precursores do discurso e ver tantos artistas falando sobre esse assunto atualmente?
Essa temática existia no samba, nas escolas de samba. O rap era um movimento que tinha acabado de nascer, talvez por isso pouca gente tratava desse tema. A meu ver, essa nova geração que fala disso cresceu ouvindo Racionais. E todos eles são nossos amigos. Ou andaram com Racionais ou cresceram ouvindo Racionais. Eles falam disso nas músicas, mas também de outras coisas, para não ficar chato. Isso é o legado. Eles deixam bem claro que conhecem a história do rap e passam a mensagem. É um dever de ser humano, de rapper, falar sobre isso. É representatividade, não esquecer de onde veio. Saber de onde veio e para onde você vai. Isso não pode mudar.
Quais artistas você acompanha e gosta de escutar?
Eu ouço tudo. Não tenho um grupo ou cantor preferido. Coloco uma playlist e vou ouvindo. Escuto gente do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Minas Gerais; O rap do Rio está forte, o de São Paulo está mais forte que nunca e tem uma variedade imensa. Todo dia, tem alguém produzindo música nova. O rap feminino também está muito forte. É bonito de se ver e ouvir. Não tem só qualidade musical, tem beleza e estética. Os artistas aprenderam a vender o produto, a vender uma marca, com camisas e bonés. Isso que é o legal do rap atualmente. Hoje, os grupos de rap estão entendendo que são uma empresa. Estão trabalhando bem a imagem, a voz e a levada. Isso é bom de ver.
Recentemente, você realizou um trabalho com o Hodari, que é de Brasília. Como é essa experiência de estar em contato com uma nova geração?
O Hodari é autodidata. É um multi-instrumentista que aprendeu a tocar tudo sozinho. Como ele é um guitarrista, chamei para fazer um solo comigo no novo trabalho. Ele participa na abertura e também fecha o disco. Na abertura ele faz um arranjo instrumental e na última música ele faz um solo de guitarra. É um talento que poucos conhecem. Meu público não conhece ele. Acho legal colocar ele no jogo comigo e apresentar para a galera.
Como as mensagens do atual governo chegam na periferia?
A periferia não tem tempo para pensar nisso não. Não posso dar opinião pelos outros. Mas, na minha visão, é um momento de observação. Tivemos duas escolhas e escolheram esse que aí está. E agora a gente vai colher o que a gente plantou. Tudo que a gente falava e alertava lá atrás está acontecendo agora. É um momento de dúvidas e incertezas. A gente já esperava isso.
Você apoia algum partido político? Por quê?
A gente tem que assumir um lado. Nesse momento eu tô... não sei o que te falar. A gente está em um momento de observação, de retaguarda, de vigília e vigia. Momento de ficar todo mundo vendo o que vai acontecer para poder montar a estratégia certa. Esperança a gente sempre tem né, nunca morre. A gente nasce com ela, mas não dá para viver só de esperança. Temos que trabalhar. Mas é o momento de recuar, aguardar e ver a hora de continuar. Momento de estudo. Eu acredito nisso. O presidente do nosso país está com uma BSíblia numa mão e um fuzil na outra, sendo que eu tenho um caderno numa mão e na outra uma caneta. Vou pensar o que? Temos que pensar sobre isso, refletir e estudar. É como um torcedor de futebol, fica só na arquibancada vendo o que vai acontecer e torcendo para o melhor. Mas também temos que nos preparar para o pior. É um momento de repensar o país, repensar a vida, o que está acontecendo, o que aconteceu... Meu Deus! É um momento obscuro, não só no Brasil, mas no mundo.
O trabalho de um artista na noite envolve muitos vários ambientes, pessoas e energias. Você tem algum tipo de preparação para se blindar e encarar esses desafios?
A gente se cuida (risos). É uma troca de energia e a gente recebe muito mais do que entrega. É como se fosse um para-raios. Se você não estiver bem, você não aguenta, vai se dar mal. A bateria tem que estar carregada de energia positiva. É importante se sentir bem.
Você lançou o álbum Contra nós ninguém será na carreira solo. Por que realizou o trabalho sem os Racionais? A linguagem musical é uma questão que diz respeito somente a você?
Teve a participação com todos. Homem invisível com o Brown e Tá na chuva com KL Jay e Ice Blue. Mas é um disco solo, um trabalho meu. Não teria razão para fazer com o grupo. Cada um tem o seu gosto musical. No Racionais, não tem como misturar o rap com reggae, o rap com samba; Não tem como. Eu faço muitas misturas, chamo a galera da nova geração para cantar, tenho a oportunidade de conhecer novos talentos e fazer novas texturas musicais. Mas isso eu gosto de fazer sozinho porque eu me arrisco mais, tenho essa liberdade. Com o grupo, são quatro caras, quatro pensamentos diferentes. Muita coisa que faço sozinho não cabe nos Racionais. Lá, são outras ideias, merece uma atenção diferenciada. Inclusive, estou fazendo um disco novo, com muitas participações.
O que você pode adiantar sobre o novo trabalho?
Tem Rael, Alexandre Carlo, Hodari e Lauana Prado em uma mistura com o sertanejo. Vem com algumas faixas puxadas mais para o trap e outras para o rock. É meio Linkin Park (risos). Tem 14 faixas e bastante diversidade. Dia 9 de agosto, estará nas plataformas digitais.