Edu Lobo é, ao lado de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento, um dos expoentes da mais celebrada geração da MPB. Ao contrário desses companheiros de ofício, o cantor, compositor, pianista e arranjador carioca sempre foi avesso aos holofotes, mesmo mantendo-se em atividade frequente, produzindo sem parar trabalhos de indiscutível qualidade.
Um exemplo disso é a trilogia que realizou nos últimos quatro anos ao lado do violonista Romero Lubambo e do saxofonista e flautista Mauro Senise, composta pelos álbuns Todo sentimento, Dos Navegantes e o recém-lançado Quase memória. Neste último, ele reuniu 11 canções autorais, nas quais tem como parceiros os consagrados Chico Buarque, Cacaso e Paulo César Pinheiro.
Sete são inéditas, entre elas As mesmas histórias, Branca Dias, Terra do nunca, Peregrina e Rosinha. A elas se juntam as regravações O dono do lugar, Lábia, Canudos e Senhora do Rio lançadas em diferentes épocas. Há, entre os letristas, a presença de José Carlos Capinam, com quem dividiu as honras na conquista do primeiro lugar no Festival da Record de 1967 com Ponteio ; tido como o mais emblemático entre tantos que ocorreram no país.
Outro destaque é a parceria de Edu e Vinicius de Moraes em Silêncio ; letra descoberta no fundo do baú por Luciana, filha do Poetinha. Edu fez a letra de Quase memória, que dá nome ao CD, inspirada em livro homônimo de Carlos Heitor Cony. Participam do disco Cristovão Bastos (piano), Anat Cohen (clarinete), Kiko Horta (acordeon) e Jurim Moreira (bateria).
Entrevista / Edu Lobo
Edu, o que representou ter Vinicius de Moraes como parceiro no início de sua carreira?
Eu tinha apenas 19 anos quando conheci Vinicius numa reunião e depois de tocar e cantar muitas canções, ele me perguntou se eu teria um samba novo e sem letra. Eu tinha a melodia e ele fez uma letra na hora. Isso representou muito mais do que uma parceria com um grande poeta. Passei a imaginar que eu talvez fosse um compositor e que a minha vida não iria em direção ao Itamaraty, como estava programada. Depois da parceria, começou a amizade com Vinicius e, por conta disso, o meu encontro com o Tom, o Carlos Lyra, o Baden, ou seja, a Santíssima Trindade da música popular brasileira. E a minha vida tomou realmente um novo rumo.
De alguma forma, seu pai, o compositor Fernando Lobo, exerceu influência para que você se tornasse músico?
Nenhuma. Na verdade, quando comecei a conviver com o meu pai, eu já tocava violão e tinha arriscado umas primeiras canções. Li muitas vezes que o meu pai teria ficado contrariado quando eu decidi optar pelo violão, em vez do acordeão, que eu estudei desde os 8 anos de idade. Fake news, obviamente.
Com o devido distanciamento, que importância atribui a conquista do Festival da Record, em 1967, com Ponteio, superando Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso?
Aquela história de um grande sucesso, e daquela maneira, nunca me seduziu. Por incrível que pareça, pouco tempo depois do festival, concordei em fazer uma apresentação em Paris com a Nara e o Quarteto Novo, onde permaneci por quase dois meses. De certa forma, isso fez com que aquele sucesso se apagasse. Explicar essa minha atitude levaria muito tempo.
Avesso aos holofotes você construiu, sem muito estardalhaço, uma carreira sólida, prolífica e bem avaliada. Isso lhe bastou?
Não sei muito falar sobre a minha carreira. Se ela é sólida, prolífica e bem-avaliada, como você afirma, isso me alegra muito, evidentemente.
Discos com Maria Bethânia, Milton Nascimento, Dori Caymmi e Tom Jobim são considerados marcantes em sua carreira? Por quê?
Trabalhos com outros artistas sempre foram muito importantes para mim. Além desses que você menciona, lembre que tive participações de gente muito importante, como Zizi Possi, Gal Costa, Jane Duboc, Marcio Montarroyos, Tim Maia, Simone, Gilberto Gil, Grupo Pau-Brasil (com o Nelson Ayres liderando), grupo vocal Boca Livre, Leila Pinheiro, Caetano Veloso, Zé Renato e Lenine. E, além disso, a colaboração de orquestradores como Luiz Eça (com o Tamba Trio), Chico de Moraes o Cristóvão Bastos, O Nelson Ayres, Gilson Peranzzetta, enriqueceram o meu trabalho com o seu talento.
Como avalia a parceria com Chico que resultou em álbuns como Grande Circo Místico e Cambaio?
Acho que foi um grande encontro, um trabalho que me enche de orgulho, sempre.
Ao reencontrar Dori Caymmi e Marcos Vale no disco lançado em 2018, o fez lembrar o trio que vocês formaram no começo de sua trajetória?
Esse foi um encontro afetivo e musical. Convivemos bastante no início dos anos 1960 e chegamos a formar um trio vocal. Mas o que mais me importou, foi estar sempre em contato com dois grandes músicos, com quase a mesma idade, do mesmo signo e com caminhos bem diferentes.
Quase memória complementa a trilogia com Romero Lubambo e Mauro Senise, que rendeu anteriormente Todo sentimento e Dos navegantes. Como tem sido para você esse encontro?
Esse encontro com o Mauro Senise e o Romero Lubambo começou há alguns anos no CD dos dois, o Todo o sentimento, quando gravei com eles duas de minhas canções. Gostamos todos do resultado e a partir daí decidimos gravar juntos, o CD Dos navegantes. Depois disso, acabamos de lançar um segundo, o Quase memória. A ideia de reduzir o número de participantes e maximizar a atuação deles me atraiu desde sempre. Você fala em trilogia, mas eu prefiro pensar em alguma coisa mais permanente. Vamos ver o que vai acontecer.
Todas as composições do CD têm a sua assinatura. Das 11, três são inéditas. Silêncio tem letra de Vinicius do Moraes. Essa letra estava guardada no seu baú de memórias?
A letra do Silêncio foi descoberta por Luciana, filha do Vinicius. Ela fez questão que eu a musicasse. Fiquei feliz com a escolha e com a beleza da letra. Embora eu não tenha o hábito de musicar letras, era uma oferta impossível de ser recusada, por razões óbvias. E sim, ela estava guardada em um baú, bem protegida.
Entre as regravadas estão O dono do lugar, Lábia, Canudos e Senhora do Rio. Estas são de que fase?
Canudos é de 1978, O dono do lugar de 1980, Lábia de 2002 e Senhora do Rio de 2008.
Que contribuição Romero Lubambo e Mauro Senise trouxeram para o Quase memória?
É bem mais do que uma contribuição, na verdade é uma parceria musical. O trabalho e decidido pelos três, as ideias dos arranjos também.
Qual a influência Quase memória, o livro de Carlos Heitor Cony, exerceu na criação da canção homônima?
Pouco tempo depois da minha leitura desse lindo livro do Cony, eu compus a melodia e pedi que entrassem em contato com o autor para que houvesse uma espécie de licença para a utilização do título. O Cony, generosamente concordou e o CD foi então batizado dessa forma. O livro me emocionou bastante e acabou provocando a melodia.
Quase memória
CD de Edu Lobo, acompanhado por Romero Lubambo e Mauro Senise. Lançamento da Biscoito Fino. Preço sugerido: R$ 40.