Ricardo Daehn
postado em 08/07/2019 10:30
Numa palavra, o diretor Daniel Rezende arrisca decifrar o encanto e a reação da filha do cartunista Mauricio de Sousa, Mônica, ao assistir a adaptação que ele fez para as telas do cinema de Turma da Mônica ; Laços: "amor". Foi em 2015, quando Mauricio anunciou a disposição para ver adaptada a graphic novel, Laços, que Daniel Rezende correu: "bati na porta, em 2016, no primeiro dia útil do ano, para me oferecer como diretor", conta. Honra e responsabilidade, além de carinho de fã contaram para ver o universo transposto de "maneira respeitosa" para a telona. A amizade de Magali, Mônica, Cebolinha e Cascão dá a tônica do filme.
Poucas foram as modificações no ajuste para o cinema, mas, entre elas, o diretor fez questão de estender o mundo dos quadrinhos,
trazendo para a telona o personagem do Louco, interpretado por Rodrigo Santoro. "É o personagem que vai atrás de quebrar padrões, de quebrar paradigmas. Quer pensar o mundo de outros modos. Amo quando o Louco, do filme atual, diz: ;Tem coisa mais chata do que a pessoa ser normal?!'", explica o cineasta, em entrevista ao Correio.
Curiosamente, a revista dedicada a Chico Bento é a única a fazer frente à tiragem da revista da Mônica, vendendo mais ou menos a mesma coisa. Perguntado sobre o que motivariam tal situação, é o próprio criador de ambas, Mauricio de Sousa quem responde, estendendo questões e realidades já contempladas na adaptação para o cinema que ele acompanhou de perto. "Chico Bento vende bastante, mesmo nas grandes cidades. É por nostalgia do pessoal que não teve a vida no interior ; há a vontade de ter tido. Eles veem o Chico Bento nadando no rio, pescando, subindo nas árvores, pegando fruta, roubando goiaba; então é aquela nostalgia de quem não viveu aquilo. A venda é forte, tão forte que, até na China, Chico Bento já fez sucesso", explica o cartunista e escritor Mauricio de Sousa.
Entrevista // Daniel Rezende, diretor
Qual a tua relação com a obra do Mauricio de Sousa?
Costumo dizer que o Brasil tem 200 milhões de fãs número um da Turma da Mônica. Talvez eu seja o fã número 0.5, junto com todos os outros. Sou apaixonado pela maneira com a qual Maurício de Sousa conta histórias. Ao ser o maior contador do Brasil, ele consegue se comunicar com as crianças, com o público brasileiro, de maneira muito direta. Faz de forma simples, profunda e, ao mesmo tempo, emocionante. As pessoas têm esta turminha no coração. Para mim, quando eu lia cada gibi, percebia a primeira história como um filminho. Quando a capa eventualmente não fazia menção direta à primeira história, eu tinha a ideia de que faltava o pôster. Eu completava os filminhos, na cabeça, quando era moleque. Mesmo que isto esteja mudando; acho que nosso cinema sempre olhou pouco para a nossa cultura pop. Você não precisa ser tosco ou ruim para comunicar com muita gente. Meu caminho é o de fazer bons filmes. Antes de fazer o Bingo, o rei das manhãs (2017), me perguntei: ;Por que ninguém nunca fez um filme sobre a Turma da Mônica?;. Botei na cabeça que seria o próximo projeto.
Por que aboliram representação da atual tecnologia, no filme?
Desde o começo, apostamos em fazer um filme atemporal. Nós queríamos que as pessoas não pudessem dizer em que período se passava: nos dias de hoje, nos anos 90 ou 70. O Maurício de Sousa conversa com muitas gerações. Apesar de ter o talento para se adaptar às gerações, mesmo que incorpore elementos do dia a dia; as histórias dele não são muito sobre celulares e computadores ; ainda que eles existam. Queríamos trazer um filme que se comunicassem com crianças, pais e avós. Cercamos daí o tema dos laços de amizade. Observamos o universo clássico que ele criou, com formas geométricas muito simples. Seguimos a pergunta de como seria a turminha se ela fosse de verdade. Mantendo o lúdico e o colorido dos quadrinhos do Maurício, buscamos caracterizações atemporais e realistas. Mantivemos as características dos personagens e trouxemos a abordagem: ;Como cada um deles superaria seus próprios medos, a favor do grupo". Propusemos mostrar como a amizade faz com que cheguemos mais longe.
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Com tanta onda no exterior, aliás, e com a projeção que você tem conquistado, diante da participação em filmes no exterior, você seria capaz de dirigir um filme sobre super-herói?
Acho que eu não faria um filme de super-herói. Eu até assisto. Quando eu lia, me concentrava no Batman, porque eu não gosto de superpoder. No cinema, acho os dois primeiros filmes do Christopher Nolan geniais. Talvez eu fizesse mais filmes de aventura. Cresci assistindo programas infantis na tevê e lendo A Turma da Mônica. Meu lance é mais com cultura pop nacional: a questão autoral está aí ; falar de coisas que me formaram como pessoa, como artista.
Como embutiu o personagem Louco na trama?
O Louco está no filme por ser meu personagem preferido. Gosto muito de tentar entender a normalidade humana. Qual o motivo de sermos tão obcecados pelo que seja normal. O Louco traz o lúdico de quebrar todas as regras de estarmos numa caixa. Estudamos muito como fazer a transposição para o mundo real do Louco. Será que a cena da floresta, com ele, aconteceu mesmo na trama? Será que aquilo foi apenas um sonho do Cebolinha? O Rodrigo Santoro foi o primeiro ator que convidei para fazer o filme, e fiz quase uma imposição de trazer o Louco para o filme, mesmo ele não estando na graphic novel. O Bingo, palhaço do meu filme aterior, tem isso também: há a obrigação de que ele, como palhaço, faça um programa de tevê de certa maneira. E o personagem vai atrás de quebrar padrões, de quebrar paradigmas. Quer pensar o mundo de outros modos. Amo quando o Louco, do filme atual, diz: ;Tem coisa mais chata do que a pessoa ser normal?!'
O que pretende, ao investir tanto tempo em, cinema?
O nosso cinema voltou a carga há 21 anos. Estava parado. E estamos tentando constituir mercado ser autossuficiente. Turma da Mônica ; Laços vem ao lado do que tenho tentado fazer: me comunicar com o público. É possível gerar o interesse das pessoas, com temas afetivos ou de algo que precisa ser dito, mas apostando em bons filmes. Ter rigor dramatúrgico e nas realizações técnicas e artísticas. O Brasil tem trabalhado em polos: aliás, não há tempo mais polarizado do que o de agora. Trabalhamos nos extremos de filmes de arte cabeçudo, e que só vai para festivais, ou se trata de um filme que fala com muita gente, mas com qualidades muitas vezes não tão aprimoradas. Existe o meio do caminho, mais difícil de ser perseguido. Turma da Mônica talvez seja o maior ícone pop do nosso país. Está no imaginário de milhões de pessoas. Quis criar um filme que se comunicasse com crianças de 3, 4 anos e com adultos. Apostamos no roteiro, na fotografia, na direção de arte, figurinos ; tudo caprichado.
Qual foi o cuidado, ao colocar crianças no set?
Não queria que os atores pequenos viessem com as falas decoradas. Então não entreguei o roteiro para nenhum deles. Os meninos é que,
improvisando, trouxeram o jeito natural de eles falarem. Não queríamos a atuação infantil, decorada. Queríamos que sentissem o que dissessem. Definitivamente, encontrar as crianças foi o maior desafio. Demoramos oito, nove meses de procura. Fizemos um site, em que 7,5 mil crianças se inscreveram. Fizemos dois mil testes presenciais, com focos regionalizados. Não buscávamos aparência física num primeiro lugar. Queria crianças com magnetismo e luzes que mantivessem o interesse. O Kevin Vechiattto, que vive o Cebolinha, é o único que tinha participado de novela e outros programas, com técnica de atuação incrível, os outros três nunca tinham feito nada. Está na tela o quanto eles viraram A Turma da Mônica.
Ser montador de filmes importantes como Cidade de Deus, Tropa de Elite e Ensaio sobre a cegueira trouxe que tipo de ganho para a experiência com filme infantil?
Todas as áreas concorrem para o mesmo objetivo: contar uma história. Direção de arte, figurinos, objetos de cena contam história. Montagem, mais do que qualquer outro, conta história. Conta-se história com material que o diretor filmou. Montador é coautor do filme. Nunca saí do universo da montagem. Mas nunca penso em montar os próprios filmes que dirijo. Montador contribui até mesmo quando contesta um diretor. Quero a visão mais fresca do material produzido. Não tenho dó, não; na hora de cortarem.