Nicole Mattiello*
postado em 30/06/2019 06:00
O desabafo de um trauma. É assim que a diretora de Democracia em vertigem, Petra Costa, define sua narração no documentário. Lançado há menos de duas semanas pelo serviço de streaming Netflix, o filme já aparece no radar como possível nome para o Oscar.
;Eu quis entender essa relação do indivíduo com o sistema de governo. Muitas pessoas estão sofrendo um luto com a democracia. Eu sofri um trauma. A sociedade está traumatizada. Quando a gente sofre isso, a gente perde a noção de quem a gente é. Por isso, quis recontar os acontecimentos para começar a lidar com o trauma;, afirma.
[SAIBAMAIS]A diretora escolheu contar esse trauma por meio de um documentário narrado, característica já conhecida da cineasta, que usou do mesmo artifício em Elena, filme que fala sobre a perda da irmã. ;Tenho alguns motivos para ter feito o documentário com a narração. Eu concordo com a linha da antropologia de que não tem como ser objetivo. Isso é colonialista. Para escapar do recurso da objetividade, é preciso expor que o que você está fazendo é a interpretação dos fatos. A rachadura me interessa muito;, destaca.
Entrevistada pelo Correio, a cineasta contou que o processo de produção do filme começou com ela assistindo A batalha do Chile, de Patricio Guzman. ;Meses antes de começar a gravar, eu tinha visto A batalha do Chile, que acompanha a política do país nos anos 1970, o golpe militar. O nível de polarização social que eu via começando a crescer me fez querer fazer o mesmo que Patricio: estar nas ruas, no Congresso e no Palácio. Quando aconteceram as manifestações contra o governo Dilma em março de 2016, decidi filmar os protestos. Fiquei muito impressionada com o nível de polarização e ódio, quis entender melhor o que estava acontecendo;, diz.
Sucesso
Com 121 minutos de duração, Democracia em vertigem teve ótima recepção em importantes festivais de cinema, com ênfase no Festival Sundance. O documentário exibe cenas da política brasileira com imagens clichês e vista aérea do Congresso Nacional. Há ainda imagens internas, entrevistas e áudios inéditos.
Algumas cenas inéditas foram cedidas por Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Petra conta que foi um longo processo até mostrar a proposta do longa ao fotógrafo. Ele entrou para a direção de fotografia do filme. ;Foi um privilégio para a gente;, afirma. Outras imagens foram cedidas de arquivos pessoais de várias pessoas. O filme mostra bastidores de como a ex-presidente Dilma Rousseff se comportou durante a sessão de votação do seu afastamento. ;Um impeachment é uma bomba atômica para a democracia;, ressalta a cineasta.
Para a diretora, o nível de polarização está crescendo, e não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Apesar da polarização, Petra afirma que tem recebido, como retorno do documentário, muito mais mensagens amorosas do que de ódio. Ao ser questionada se atingiu o seu objetivo com o filme, ela responde: ;Acho que o filme provoca uma catarse em quem também sofreu esse trauma de rompimento. Acredito que atingi meu objetivo. Espero que o filme possa inspirar o diálogo. Ouvir uma perspectiva como o que ela é: uma perspectiva;, conclui.
*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira