Os sofisticados arranjos-vocais-instrumentais sempre foram a marca registrada do Boca Livre. Quarenta anos depois de surgir na cena da MPB com um histórico LP independente, o grupo carioca mantém-se fiel ao estilo que o caracteriza. Isso é facilmente perceptível em Viola de bem querer, o seu 13; disco.
Coincidentemente, esse novo projeto do quarteto não está sendo lançado por gravadora e só pôde chegar ao público ; após hiato de seis anos ; graças ao esforço e tenacidade de Zé Renato (voz e violão), Maurício Maestro (voz e baixo), David Tygel (voz e viola de 10 cordas) e Lourenço Baeta (voz, violão e flauta). Eles têm a companhia João Carlos Coutinho (piano elétrico e acordeon), Pantico Rocha (bateria), Bernardo Aguiar (pandeiro), Marcelo Costa e Thiago da Serrinha (percussão).
;Suor e prazer, palavras que simbolizam, para mim, a chegada desse novo trabalho. Após seis anos sem lançar um álbum, olhamos para nós mesmos, sem compromisso ou regras e tendências do mercado, postura adotada desde o primeiro disco. Estamos reunidos com o que sabemos fazer melhor: cantar um repertório escolhido com o rigor habitual, e que nos inspirou a chegar em um resultado, antes de mais nada, prazeroso;, afirma Zé Renato.
Viola de bem querer, com direção musical dos quatro e arranjos vocais de Maurício Maestro, traz um repertório de nove canções. Dessas, quatro êm a assinatura de dois integrantes: Eternidade (Maurício Maestro), O paciente (David Tygel) Santa Marina (Lourenço Baeta e Cacaso) e Noite (Zé Renato e Joyce). As outras são releituras dos clássicos Amor de índio (Beto Guedes e Ronaldo Bastos), Um violeiro toca (Almir Sater e Renato Teixeira), Vida da minha vida (Moacyr Luz), além de Um paraíso de lugar (Geraldo Azevedo e Fausto Nilo) e a que dá nome ao CD composta por Paulo César Pinheiro e Breno Ruiz.
Viola de bem querer
CD do Boca Livre com nove faixas. Produção independente. Preço sugerido R$ 30. Disponibilizado nas plataformas digitais.
Entrevista// Zé Renato
Havia seis anos que o Boca Livre não lançava disco. Nesse período, o que o grupo fez?
Nunca deixamos de fazer shows. Temos sido contratados para apresentações em vários locais, mas, na maioria das vezes, não há divulgação. A Brasília, infelizmente, não vamos há bastante tempo. Paralelamente, cada um de nós tem envolvimento com projetos individuais, ligados à música e a outras manifestações artísticas.
Quando o Viola do bem querer começou a ser concebido?
Esse disco teve um processo diferente do habitual. Primeiro testamos as músicas em shows, para sentirmos a resposta das pessoas. A primeira delas foi Amor de índio, que acabou sendo escolhida como o primeiro single. Estivemos trabalhando esse repertório durante os dois últimos anos.
Qual foi o critério para a escolha das canções recriadas por vocês?
Costumamos gravar canções que se adequam ao estilo do Boca Livre, à nossa forma de interpretar, a partir dos arranjos vocais estruturados pelo Maurício Maestro, tendo como referência a sonoridade acústica que o grupo vem desenvolvendo nas últimas quatro décadas.
Como é a seleção de repertório?
Nós quatro ficamos atento às músicas que ouvimos. Algumas a gente separa, e testamos nos ensaios. Foi assim, por exemplo, com Um violeiro toca, Violeiro do bem querer, Vida da minha vida. Já Um paraíso sem lugar nos foi apresentada pelo Geraldo Azevedo e gostamos bastante. Ele também gravou e está no disco mais recente dele.
As músicas autorais são inéditas?
Não. Cada uma veio de outros projetos. Noite, que fiz com a Joyce, ela gravou no CD Bebedouro. O paciente David Tygel compôs para a trilha do filme homônimo (sobre os últimos dias de Tancredo Neves) de Sérgio Rezende. Santa Marina veio do repertório de um disco solo do Lourenço Baeta, de 1978; e Eternidade, fez parte de projeto do Maurício Maestro com Naná Vasconcellos.
Vai ter turnê para lançar o álbum?
Fizemos o lançamento com show no Teatro Rival, aqui no Rio e queremos levar o show para outras cidades brasileiras, inclusive Brasília. Mas as coisas estão difíceis, pois vivemos um momento nebuloso no país, em que o governo tomou a cultura e educação como inimigas. Nosso papel, porém, é resistir a tudo e continuar levando adiante nossa arte.