Como avisa o escritor André Caramuru no prefácio de Fundamentos de ventilação e apneia, o novo livro de Alberto Bresciani contém versos que ;São poemas que não valem pelo que dizem, mas pelo que são;. E são violentos os poemas desse livro, já que neles está sempre presente o embate entre a vida e a morte. Afinal, apneia é a privação da respiração, suspensão voluntária da mecânica que leva o ar aos pulmões e, consequentemente, pode resultar no encerramento do ciclo de vida dos animais.
Ventilação sendo o contrário à recepção total da vida, está aí o embate travado pelo poeta.
Bresciani conta que esses fundamentos são parte de um projeto que passou por Sem passagem para Barcelona, publicado há 4 anos. Peixes voadores, bisões, ouriços, hienas e carpas aparecem intercalados com ideias como eclosão, transfiguração, silêncio e travessia. São metáforas às quais o autor recorre para escrever sobre inquietações que movem os seres vivos, de forma consciente ou não. ;Em especial, eu pensei no título ventilação e apneia porque toda a vida depende da respiração, toda emoção se revela sob a respiração, e muitas vezes precisamos prender a respiração para sobreviver, então a parte do livro dedicada à apneia é isso. E a ventilação está relacionada exatamente à nossa necessidade de sobreviver e de aprender a respirar adequadamente para suportar os desafios de cada dia;, garante o poeta.
Há uma atenção especial também para os animais nesses fundamentos. Eles estão em quase todas as páginas como uma brincadeira, garante Bresciani, mas também como metáforas utilizadas para viabilizar certas temáticas. Ele está bem consciente da maneira como os homens tendem a antropomorfizar seus animais de estimação e também é com isso que conta em versos como ;A girafa morte e o atropelado,/agora silenciosos, em esquecimento,/revelam o destino de quase tudo/O destino/deste poema.;. ;É uma temática deliberadamente escolhida. Eu queria transmitir sentimentos ou pelo comportamento normal dos animais, quando se assemelham aos humanos, ou dando a eles um pouco de humanidade;, avisa. É bem essa constatação de que, sim, a vida é feita de rotinas mecânicas, a que tem o pequeno porco-espinho nos versos ;Acantonado pela fera/na touceira seca,/pensa o porco-espinho/; era só isso, noite e dia,/um passo atrás do outro, um passo atrás do outro,(...);.
São os ciclos que se repetem, a vida e a morte, alternadamente, como o poeta repara com precisão em Remake, no qual a vida é feita de opostos e disso faz parte a mesma relva que brilha ao orvalho e fenece quando incendiada por um raio seco. Há, portanto, uma violência em Fundamentos de ventilação e apneia. Não é uma defesa ou uma exteriorização de uma eventual indignação do poeta. É, na verdade, um recurso poético. ;Uma forma de tornar mais intensas as emoções;, avisa. ;A poesia precisa de um efeito imediato, ao contrário da prosa. O autor de prosa tem à disposição uma quantidade imensa de páginas para expor e defender o que pretende. O poeta tem poucas páginas para tentar transmitir uma concepção, ou uma situação, para retratar a realidade. Isso demanda uma energia mais forte na composição dos poemas. E como a poesia é um retrato de uma época, de um tempo, vivemos tempos muito violentos e é difícil que isso não se reflita na produção poética.;
; OCASIÃO
Máscaras e armaduras
nem sempre são falsas
às vezes são casco, concha,
epiderme, coisa que vem com
Nenhum sacrifício ou ofensa,
mas sorte, proteção
O bicho que se faz de morto
salva-se de outro
cheio de garras
e dentes.
Fundamentos de ventilação e apneia
De Alberto Bresciani. Patuá Editora, 142 páginas. R$ 40