Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

O fado contemporâneo de Mariza

A cantora portuguesa lança o oitavo álbum, faz turnê no Brasil e grava dueto com Djavan

A fadista Mariza é movida pela verdade. Desde que gravou Fado em mim, em 2001, a cantora portuguesa se alimenta daquilo que, como ela mesma diz, está em seu DNA. E, no caso dela, esta parte fundamental e particular da constituição de cada ser humano contém o ritmo melancólico do fado. Por isso, faz muito sentido que Mariza tenha escolhido o clássico Trigueirinha para abrir seu oitavo disco, providencialmente intitulado Mariza, e que chega às lojas e aos serviços de streaming brasileiros ao mesmo tempo em que ela faz uma turnê pelo Brasil.

;Os discos são feitos conforme a verdade de cada artista e este disco neste momento representa isso nesta fase da minha vida. Talvez daqui a dois anos ou um ano, se eu voltar a fazer outro disco, ele seja completamente diferente. Mas, para já, esse disco representa-me tal como eu estou neste momento, tal como sou neste momento;, conta a portuguesa, em entrevista ao Correio.

Mariza tem 15 faixas, algumas resultantes de parcerias que já estão na trajetória da cantora há muito tempo, como Jorge Fernando, e uma bela participação de Jaques Morelenbaum. Considerada a embaixadora do fado, um gênero que fez o nome da portuguesa arrebatar uma legião de fãs, vender mais de um milhão de discos e ganhar várias certificações de Platina, Mariza acredita que esse tipo de música nunca vai ser realmente moderna e sempre vai falar de amor. E é de amor que trata o disco. Faixas como Quem me dera, cujo videoclipe rendeu 16 milhões de visualizações, Amor perfeito e É mentira mergulham fundo na melancolia amorosa.

Há espaço para tudo nesse universo: amores desfeitos, esperança de ser correspondido, traição, paixão e até humor (Fado errado é tragicamente engraçada e sinceramente verdadeira) embalados por uma voz sofisticada e potente. E, sim, há muita mistura na música de Mariza, apesar do fado tradicional, cuja bandeira ela empunha. Neta de negros, nascida em Moçambique há 45 anos e com uma infância passada em Mouraria com um pai apaixonado pelo fado, ela admite que canta uma mistura das culturas que a formam, inclusive da brasileira. Foi o pai quem escolheu o nome da fadista, uma homenagem a Marisa gata mansa. Também gravou um dueto com Djavan e dividiu o palco com Roberta Sá em um show que combinava fado e samba.

Entre as 15 faixas do novo álbum, apenas uma tem assinatura de Mariza. Escrever as letras é um ato que ela costuma deixar para os parceiros, mas em Oração, ela se aventurou, com Tiago Machado, a criar uns versos. É uma pequena amostra do que a fadista é capaz nessa seara, embora também seja algo que ela prefira guardar.

;Há muitos anos que escrevo. Eu não componho, eu escrevo. E neste disco aparece uma letra escrita por mim, mas é um processo muito pessoal, algo que eu gostaria de guardar para mim;, conta, em entrevista exclusiva para o Correio.


Mariza
De Mariza. Warner Music. 15 faixas., R$ 39




;O amor será sempre inevitável porque toda a gente procura o amor, o ser humano procura sempre o amor nas suas várias vertentes, nas suas várias fórmulas;



;O fado é uma música urbana que nasceu no século 19. Como música urbana que é, ele tem vindo a se reinventar conforme a sociedade e a cidade de Lisboa se reinventa e respira;



ENTREVISTA / Mariza

Existe um fado moderno? Do que ele fala? É possível modernizar o fado?
O fado é uma música urbana que nasceu no século 19. Como música urbana que é, ele tem vindo a se reinventar conforme a sociedade e a cidade de Lisboa se reinventa e respira. Então, essa coisa de fado moderno não existe, existe fado que podemos cantar com letras que falam de uma atualidade, uma Lisboa mais moderna, de um Portugal de agora de hoje.

Qual sua relação com a música brasileira?
Eu tenho uma relação não tão grande com a música brasileira e tudo o que se tem feito nos últimos tempos eu conheço muito mal. Conheço melhor a MPB, mas a MPB é antiga, aquela que me foi chegando pela minha mãe, pelos meus tios, tias, pela minha família.

Você e Djavan já se conheciam? Você se identifica com a música dele?
Eu sou muito fã do Djavan e conheço muito bem a sua discografia. Foi para mim um privilégio poder ter tido a oportunidade de partilhar Amor puro, que eu adoro, que é um tema que faz parte da minha lista musical há muito tempo e de que sou fã. É genial poder ter tido a oportunidade de cantar este tema e partilhá-lo com o compositor, letrista e o grande cantor que é o Djavan.

Como está o cenário do fado hoje em Portugal? Há muitos compositores jovens que seguem a tradição? O amor é, inevitavelmente, o principal tema?
O amor será sempre inevitável porque toda a gente procura o amor, o ser humano procura sempre o amor nas suas várias vertentes, nas suas várias fórmulas. E o fado sabe cantar o amor como ninguém, existem imensos cantores, compositores e músicos jovens, todos eles com a sua verdade todos eles trazendo uma Lisboa mais moderna e um Portugal atual.