Crítica // Rindo à toa ; Humor sem limites ####
O documentário assinado por Cláudio Manoel, Álvaro Campos e Alê Braga é, entre as estreias da semana nas salas de cinema do DF, um
retrato saudosista de uma era em que rir servia como remédio: o caos no Brasil imperava, com muita gente tentando se desenquadrar numa realidade de distensão de liberdades, pós-ditadura. Na base do relaxamento, os cidadãos pareciam menos armados do que os de hoje, e a felicidade brotava por meio dos programas de tevê, nos teatros movidos a besteirol e, na frequência do rádio, por meio de letras de músicas nacionais orgásticas e divertidas. ;Música e humor sempre funcionaram no Brasil;, ressalta o humorista Marcelo Madureira, presente na gama de entrevistados pela produção.
O painel retratado no filme é amplo e nada restritivo: mesmo porque, à época, as linguagens de humor se infiltravam em diferentes meios,
nunca com filtro, passando por publicações como Chiclete com Banana, espelhada na atuação do Casseta & Planeta e os esculachos de
Miguel Falabella e companhia. Depois do recente longa Tá rindo de quê? ; Humor e ditadura, é hora dos diretores passarem para o lado B (de bom) da cerca das trincheiras do humor, em que valia tudo. Quase consenso, entre os depoentes, a defesa da transgressão ganha
muito com discursos coesos como o do cartunista e roteirista Cláudio Paiva.
Redatores afiados em programas alternativos e independentes (com Marcelo Tas, por exemplo, incorporando o ingênuo e direto repórter
Ernesto Varela), as cores berrantes da banda Blitz e o cenário dominado pela popularidade de Armação ilimitada, TV Pirata e afins, não
houve como descasar, no documentário, prazer e reflexão.
Sem necessidade de tutorial de como gargalhar ou bênção do politicamente correto, o filme traz depoimentos de figuras como Marisa Orth, que pontua, sem grandes teorias: ;Humor é uma ferramenta crítica;, enquanto revê o incômodo de situações passadas ao lado de feministas radicais. Patricya Travassos, Andrea Beltrão, Angeli, Laerte, Fernanda Young, Helio de la Peña ensinam um bê-a-bá de libertação, que sim, por vezes, incorpora o sentido e a razão de se adequar às transformações e demandas mais quadradas do mundo de hoje. Pré-youtubers e donos de humor feito de estética tosca (como a de Hermes e Renato), muitos, porém, alertam para os riscos da quimera ;de se arredondar o mundo;, com humor rigorosamente coreografado para o bem.
Outras estreias
Godzilla 2: Rei dos monstros, de Michael Dougherty.
Anos 90, de Jonah Hill.
Compra-me um revolver, de Julio Hernández Cordón.
A sombra do pai, de Gabriela Amaral.
Dias vazios, de Robney Bruno Almeida.
Histórias estranhas, de Marcos DeBrito e Ricardo Ghiorzi.
Ma, de Tate Taylor.
Duas perguntas // Robney Bruno Almeida, diretor de Dias vazios
É difícil tentar conquistar um público jovem, que tem problemáticas representadas no filme Dias vazios, mas que, em geral, tende ao escapismo?
Gosto do cinema autoral. Neste tipo de cinema, querer agradar ao público só para conquistá-lo é um caminho sem volta. Busco surpreender. Mais do que qualquer coisa pra mim o público gosta de refletir sobre os temas do filme, até mesmo nos dias seguintes à projeção. Cada um faz o seu próprio juízo do que foi assistido. Respostas brotam da individualidade de sentimentos e de entendimentos.
Isso pra mim é o que mais me satisfaz como cineasta. Sei que fazer público com cinema autoral é problemático, mas prefiro pensar que um
dia vamos entender que o público brasileiro gosta de se ver representado no cinema. Interessa-me o espelhamento da realidade, e acho
que, em tempo de redes sociais e mídias digitais, é preciso saber utilizar as ferramentas certas para alcançar e envolver diferentes públicos.
O seu filme acopla muita metalinguagem, não?
A metalinguagem do filme é presente no livro em que o roteiro se baseou. Uma história dentro de uma outra história. Lembro de uma das
primeiras conversas que tive com o André de Leones (autor do livro) sobre isso. Imagina que você queira contar a história de um cara que
você conheceu somente de vista, o que você faria? Simples, colocaria elementos de seu próprio cotidiano na medida que fosse ficcionalizado a história do seu personagem. Essa metalinguagem para mim é o grande diferencial do filme, que intriga o público querendo saber mais a medida que vemos algumas cenas se repetirem. Costumo dizer que qualquer história pode dar um filme bom ou ruim, o grande diferencial é o modo como contar a história.