Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

A Esperança é a educação

Em Brasília, para participar de programa de encontro com o autor, Marco Lucchesi, o presidente mais novo da Academia Brasileira de Letras (ABL) conta que tem fé nos livros e na cultura

Professor de literatura comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), autor de mais de nove livros, tradutor de nomes como Umberto Eco, Primo Levi e Francisco Quevedo, poeta e romancista, Marco Lucchesi é também um homem otimista. Ou com esperança, nas palavras dele. ;Preciso ser, porque tenho meus alunos;, reflete. ;E tenho conversado com pessoas de espectros distintos que se unem acima de qualquer diferença ideológica na questão da educação.;

A sala de aula, ele acredita, é o espaço no qual o Brasil pode crescer e, ali, a diversidade deveria ser a regra. Lucchesi tem notado isso ao longo de toda uma trajetória acadêmica à frente do quadro-negro, mas também nos encontros dos quais participa com estudantes e, sobretudo nos últimos tempos, com as minorias que faz questão de encontrar, como índios, presidiários e quilombolas. É essa experiência que ele leva hoje à palestra aberta ao público organizada pelo Centro Cultural e Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, em um programa de encontros com autores.

Lucchesi vem a Brasília para falar de seu mais recente lançamento, o livro de poemas reunidos Domínios da insônia. A reunião de mais de 20 anos de trajetória poética tem 700 páginas e é uma conquista. ;Para todo poeta, é importante que você tenha uma obra reunida, é como se o poeta olhasse seu próprio percurso, é uma forma de enxergar seu próprio rosto;, explica. Mas, certamente, a poesia não será o único tema do encontro.

O acadêmico de 55 anos, que ocupa desde 2011 a cadeira n; 15 da Academia Brasileira de Letras (ABL) e foi eleito no ano passado como o mais jovem presidente da casa, também vai falar de tolerância, da importância da educação em tempos de crise, dos valores republicanos e da urgência em reduzir a desigualdade social no Brasil.


; Entrevista / Marco Lucchesi

O senhor é professor universitário e tem acompanhado o movimento em torno da defesa da academia. O que acha da demonização das universidades?
A sociedade brasileira é plural, diversa. E educação é completamente compreendida como um bem necessário. Dostoievski tem uma frase, em O idiota, em que o príncipe Michkin diz que a beleza salvará o mundo. Eu tenho como certo que a diversidade salvará o Brasil. Algumas questões são transitórias e é impossível reverter as conquistas. Há uma maioria silenciosa trabalhando. Tudo bem, existem exceções, o momento é desafiador, mas a sociedade compreende que, de algum modo, ou tratamos a desigualdade através da educação, ou vamos para o apocalipse. Vivemos momentos mais desafiadores, mas as conquistas sociais, bem ou mal, se autodefenderão. Não é otimismo, mas preciso de oxigênio.

Qual a função da ABL hoje para a sociedade brasileira? Ela não é hermética e afastada do público? Que diferença ela faz para a literatura brasileira?
Fazemos ações muito bonitas que têm repercussão de profundidade social importantíssima. A Academia teve papel preponderante em vários momentos, como Joaquim Nabuco e a escravidão, a Lei Afonso Arinos. Desde a época da fundação, ela tinha republicanos e monarquistas, isso em um momento em que a monarquia estava terminada e as paixões estavam acirradas, mas ninguém jamais discutiu política dentro da Academia. Ela tem seus pressupostos como cuidar da língua, da literatura, mas também tem exemplaridade interessante. Tem a tolerância, a convivência de contrários, de perspectivas que nem sempre coincidem, e isso é hoje muito importante. Houve momentos em que ela se posicionou, como em relação às biografias e aos direitos autorais. Em casos de consenso mais amplo, a instituição fala, se pronuncia cautelosamente diante de situações em que ache que precisa levantar. Mas o grande exemplo são as ações sociais.

Pelo quinto ano consecutivo, o mercado de livros fechou em queda no Brasil. Além disso, no último ano, tivemos várias livrarias fechadas por falência e editoras em dificuldade. Por que isso acontece? Lemos cada vez menos?
Acho que o quadro poderia ser ainda pior se os professores não estivessem na ponta com todo um gesto e um grau de sacrifício. Eles fazem um trabalho admirável e estão sozinhos. Se não fossem eles, a situação seria ainda mais catastrófica. É preciso aprofundar a leitura para além de um gesto, transformá-la num programa de paixão dentro das escolas.

É por isso que o senhor empreende um programa de visitas às prisões?
Uma vez um prisioneiro me mandou uma carta dizendo como ele trabalhava nas prisões, pedia livros de literatura e fazia uma engenharia da leitura: os mais alfabetizados ensinavam os de alfabetização precária. Ele tinha a preocupação de que os livros chegassem a todos os apenados. Ele entendia que o livro devia ser um apelo. É uma metáfora que transcende o cenário carcerário. Apesar dos números dramáticos, existe uma consciência de que o livro tem sua centralidade. Agora, é normal que tenha uma retração numa relação com o livro. A gente vive uma crise econômica forte que se atrelou a uma crise cultural, mas os professores estão vivos, os contadores de histórias e as feiras estão vivos. E precisamos centrar nas escolas, valorizando cada vez mais os professores. Seria pior se eles não estivessem atuando, mas eles estão lá, numa república que esqueceu que ela tem que ser capilar e não apenas abstrata.

Na pesquisa recente da Fipe, só os livros religiosos não caíram em faturamento. O que isso diz sobre o país?
A gente sempre teve no Brasil um mercado de livros religiosos muito interessante, até mesmo de qualidade. Escrevi um artigo anos atrás em que imaginava alguém de Marte captando a tevê brasileira. Ele chegaria à conclusão de que o Brasil é uma teocracia. A questão é que a conversão é um processo de momento, é uma fotografia do que está acontecendo. De qualquer modo, as pessoas estão lendo. Que estejam lendo a Bíblia ou o livro de um líder religioso, o importante é que estão lendo. Temos que ter estratégias de paciência e expectativas. Ingressar no mundo da leitura é um passo. Depois, vem um trabalho republicano. Você não vai dizer que a Terra é quadrada, ou um retângulo;Mas todo o começo é um começo, por isso a escola é importante, ela vai dar os valores republicanos e esses valores não cancelam os valores nos quais você acredita. É assim que deveria funcionar. É o desafio que nossa geração vai precisar enfrentar.

E vamos enfrentar com ensino em casa e Escola sem Partido?
O problema é quando você vê a possibilidade do ensino em casa. Esse é um grande problema. Do ponto de vista psicanalítico, é um desastre, a criança precisa se socializar. Os valores religiosos serão assegurados, mas dentro de uma esfera de tolerância republicana. Aprender em casa que a evolução não existiu e que a Terra tem uma conformação plana, não pode.

O senhor é contra a redução da maioridade penal. Por quê?
Isso é assustador. Espero que haja uma revisão dessa expectativa anunciada, porque você faz com que a juventude faça um caminho sem volta. Quando os menores são apreendidos, as estatísticas mostram, basta um primeiro contato com a autoridade e a escola que as crianças mudam. As estatísticas são favoráveis para a não reincidência. Em vez de pensar em armar, devíamos pensar em armar com escola e educação, inclusive para os presos. A lógica da construção prisional foi feita para que eles não trabalhassem. A maioria deles gostaria de trabalhar e ser instruído. A leitura é um direito.

A cultura está sendo demonizada nesse novo Brasil. Acha que os livros e a literatura podem ir pelo mesmo caminho?
A literatura é sempre fascinante porque é sempre o elemento mais frágil, que não produz tecnicamente, o produto aparentemente dispensável. E, no entanto, os Lusíadas há séculos vivem aí, há gerações. Não me apavoro com certos momentos. Fico muito aborrecido, mas não me intimidam situações de refluxo. Seria melhor que não ocorressem, mas, no momento em que ocorrem, a gente ensina, defende, mostra aquilo em que somos melhores, e não é na violência, é na cultura da argumentação. Realmente, vivemos um tempo em que as pessoas ficam vaidosas de anunciarem a própria ignorância, mas isso me não assusta. Temos núcleos de cultura institucionalmente consolidados. Nós, professores, estamos atentos. Os alunos compreenderam, estão fazendo a defesa da universidade, há uma aglutinação muito interessante. A universidade brasileira produz 90% da pesquisa realizada em nosso país. Não se desfaz em bruma tanta glória. Mas pode haver desejos.

Na sua opinião, o fato de o brasileiro ler pouco pode ser uma causa de termos chegado onde chegamos?
Acho que a situação atual tem uma complexidade que ultrapassa muitas leituras. Por uma série de questões, chegamos onde chegamos porque o que ainda não entrou na pauta do Brasil é a desigualdade social. Não é apenas a pobreza, é a desproporção. Enquanto não se encarar essa questão, vamos nadar em ilusões, procurações, fazendo uma política que não está à altura dos nossos sonhos.

Que leitura o senhor recomenda para compreender o Brasil atual? Uma leitura que todos os lados aceitariam;
A gente pode ler as leituras dos tempos de crise, como A divina comédia. Dante viveu momento análogo de crise das instituições e, por isso, decidiu fazer uma viagem ao além. A gente tem que ler tratados da tolerância, voltar a pensar na ética do diálogo. Buscar livros da alteridade, da tolerância. Não é um remédio simples, é uma grande reconstituição. O exercício da alteridade precisa ser reconvocado: o outro, não apenas o tolero como admiro o que me faz diferente dele. Precisamos aprender com a diferença o que de fato somos. Ninguém está a salvo, todos buscamos a salvação. Onde há cultura não pode haver ódio. Precisamos apostar na cultura da paz, com paciência, intensidade e vigilância.

Encontro com o acadêmico Marco Lucchesi
Hoje, às 17h, no Salão de Leitura da
Biblioteca da Câmara dos Deputados, Anexo II.
Inscrições pelo e-mail nucleodeliteratura
@camara.leg.br. Entrada franca