Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Literatura de origem africana é pulsante e conquista o Brasil

Autores de países como Nigéria, Zimbábue e Angola estão entre convidados de eventos literários este ano


A literatura feita por uma nova geração de escritores africanos e afrodescendentes está em alta. Eles escrevem em inglês e em português, têm média de idade entre 30 e 35 anos e tratam de temas contemporâneos. No caso dos africanos, há fortes referências a um cenário pós-independência. Alguns desses nomes são novos nos catálogos das editoras brasileiras ; e estão surpreendendo, como Angie Thomas, cujo O ódio que você semeia já está na nona edição ; e muitos são apostas para feiras e bienais ao longo do ano.

Na lista de convidadas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), marcada para 10 de julho, estão a nigeriana Ayobami Adebayo, a brasileira Jarid Arraes e a portuguesa Grada Kilomba. Para a Bienal do Rio, em setembro, a Galera Record queria trazer Angie Thomas, da qual publica um segundo livro, Na hora da virada, mas a editora Rafaella Machado não sabe se vai conseguir. A autora não sai da lista dos mais vendidos do New York Times e tem agenda quase impossível depois do sucesso.

Na Galera Record, a aposta é na produção para jovens leitores e, nessa seara, Angie Thomas é um dos maiores sucessos recentes da editora. Para Rafaella Machado, responsável pelo selo Galera, Thomas fez tanto sucesso no Brasil porque conta histórias com as quais o público brasileiro se identifica.
No primeiro romance, a protagonista, Star, uma menina negra moradora de um bairro cheio de problemas, testemunha o assassinato do melhor amigo, também negro, pela polícia. ;Esse livro é muito importante para nossa realidade. Apesar de ser juvenil, precisa ser lido por todos os adultos porque tem esse recorte social e racial muito importante. É um tapa na cara. Muito pertinente para a realidade brasileira, com a violência policial em relação a negros;, diz Rafaella.

A Record também publica este ano o segundo volume de Bruxa akata, da norte-americana de origem nigeriana Nnedi Okorafor. O romance é uma fantasia repleta de mitos africanos e a intenção foi fazer um contraponto às narrativas fantásticas de origem nórdica e europeia, que vendem muito bem e têm leitores aficionados.
Jovens escritores

Na Kapulana, editora dedicada à literatura ausente dos catálogos das grandes casas, 2019 é um ano marcado por lançamentos de jovens autores africanos de língua inglesa, uma descoberta na qual Rosana Weg, fundadora da empresa, começou a mergulhar no ano passado. Com um acervo bem representativo da produção africana em português, a Kapulana agora aposta em nomes, como Akwaeke Emezi, da Nigéria, e Tsitsi Dangarembga, do Zimbábue.

;Uma característica é que eles são muito jovens;, avisa Rosana. ;E é um universo muito contemporâneo. A Nigéria está com uma farta literatura, os autores conversam muito entre eles, tem workshops, prêmios de residência e todo um trabalho de formação de mesmo. As reflexões que esses escritores fazem são muito pertinentes. Não é uma literatura fácil, é uma literatura muito bem estruturada;, comenta.

Gustavo Faraon, da Dublinense, está surpreso até hoje com o sucesso da nigeriana Buchi Emecheta. Indicada pela conterrânea Chimamanda Adichie em uma curadoria do clube de livros TAG, no ano passado, a autora entrou definitivamente para o catálogo da editora. Em parceria com a TAG, em 2018, a Dublinense lançou As alegrias da maternidade, romance cheio de ironia inspirado na trajetória da própria autora. ;A partir daí, a resposta dos leitores foi incrível e, depois da edição específica para o clube, seguimos publicando para as edições normais. Vendeu superbem. Os livros da Buchi estão sempre sendo lidos, há um boca a boca forte;, aponta Faraon.

Em junho, a Dublinense lança No fundo do poço, o livro mais autobiográfico de Buchi, mãe de cinco filhos, imigrante e divorciada em uma Londres nada receptiva à integração racial. A editora também adquiriu os direitos de O preço da noiva, programado para o fim do ano.

; Fique de olho!

Água doce, de Akwaeke Emezi, Kapulana
Escritor(a) não binário, Akwaeke Emezi traz para a literatura uma história de conflito de gêneros na figura da personagem Ada, enviada para estudar nos Estados Unidos, onde a identidade não binária acaba por emergir após um episódio traumático. É por meio dos espíritos, com os quais conversa e troca papéis, que Ada vai lidar com a situação. Tradição e contemporaneidade se misturam na narrativa de Emezi, que tem lançamento marcado para julho.

Condições nervosas, Tsitsi Dangarembga, Kapulana
Papéis de gênero e racismo estão no centro dessa história, na qual a narradora explica por que não ficou desolada com a morte do irmão e, como isso, possibilitou que ela, uma menina moradora de uma comunidade no interior do Zimbábue, crescesse e estudasse. O romance da zimbabuense está programado para novembro.

Também os brancos sabem dançar, de Kalaf Epalang, Todavia
Escritor e integrante da banda Buraka Som Sistema, Epalanga desembarca no Brasil em julho para a Flip, mas Também os brancos sabem dançar já está disponível no catálogo da Todavia, que acaba de lançá-lo. No romance, um músico nascido em Angola e que escapou da guerra tenta chegar à Suécia com um passaporte inválido. Ele vai participar de um concerto, mas acaba detido por imigração ilegal. Memórias pessoais do próprio autor, nascido em Benguela (Angola), permeiam o romance.
Uma orquestra de minorias, de Chigozie Obioma, Globo Livros
Depois de fazer sucesso com Os pescadores, o escritor nigeriano está de volta com romance sobre um rapaz que se apaixona por uma moça rica e tenta provar que é merecedor de atenção. A mitologia africana permeia toda a narrativa que, segundo a crítica, mistura tragédia grega com a tradição do continente.

Fique comigo, de Ayobami Adebayo, Harpper Collins
Indicado como finalista do Baileys Women;s Prize for Fiction, o romance da autora nigeriana traz uma história típica das tradições africanas. Depois de se casar, Akin não consegue engravidar. A família do marido encontra então uma solução: uma segunda esposa. A autora, que foi aluna de Chimamanda Adichie e de Margaret Atwood, já foi apontada como o próximo grande nome da literatura nigeriana.

Redemoinho em dia quente, de Jarid Arraes, Alfaguara
Descrita como uma mistura de Lady Gaga com Cariri pela curadora da Flip, Fernanda Diamant, Jarid tem três livros publicados e aguarda, para junho, o lançamento do quarto. Redemoinho em dia quente é uma coletânea de contos com histórias que se passam no Cariri e são contadas por narradoras mulheres. ;É o ponto de vista das mulheres do Cariri sobre o Cariri. Mulheres idosas, jovens, crianças, de contextos sociais diferentes, sexualidades diferentes. Há realismo, há uma fantasia um pouco esquisita, há muita dor, há humor, mas um humor bem característico meu;, avisa a autora.