O cantor português António Zambujo, 43 anos, com quase duas décadas de carreira, volta a injetar brasilidade ao seu trabalho no nono álbum de estúdio. Diferentemente do disco anterior, todo dedicado a versões de Chico Buarque (Até pensei que fosse minha, 2016) o admirador atento da MPB lança Do avesso, com canções originais e composições de nomes consagrados da música nacional, como Milton Nascimento e Arnaldo Antunes. Além de veteranos, destaques recentes da nossa música estão no radar dele. A exemplo de Anitta, que, segundo ele, manifestou o desejo de formar um dueto com o lusitano. ;É recíproco;, garante em entrevista ao Correio. No disco Do avesso, o Brasil é um dos muitos locais em que ele vai em busca de inspiração.
Pela primeira vez acompanhado por uma orquestra, caminha pelas sonoridades das trilhas cinematográficas do italiano Ennio Morricone, pela instrumentação clássica do espanhol José Maria Lacalle e pelo pop de Beatles, Beach Boys e Tom Waits. Entre os brasileiros, contou com composições de Milton Nascimento e Fernando Brant (Fruta boa), Arnaldo Antunes e Cezar Mendes (Até o fim) e Rodrigo Maranhão (Avesso). Esse último compôs uma das duas únicas canções que não são originais. Os olhos e ouvidos de Zambujo também se voltam para a política daqui. Ele assume afinidade com a esquerda, mas sem se apegar a radicalismos. Num país com pessoas ;muito divididas;, ele prega a paciência. ;Acho que é importante dar um tempo e ver o que acontece;, afirma sobre o governo Jair Bolsonaro.
Entrevista
Como você se aproxima das músicas brasileiras?
A minha primeira ligação com o Brasil foi quando ouvi João Gilberto. A partir dele, veio tudo. Ele interpretava muitos cantores, inclusive, alguns mais antigos. Vários desses artistas, conheci por ouvir João Gilberto falar a respeito, como o Orlando Silva, Noel Rosa, Cartola, Lupicínio (Rodrigues). Conheci mais inicialmente a fase da bossa nova. Vinicius (de Moraes) e o Tom (Jobim). Depois, todos os outros que apareceram: Carlos Lira, Gilberto Gil, Caetano (Veloso), entre outros.
E os contemporâneos?
A partir daí, fui escutando outras coisas.O mais importante para qualquer artista é que todos devem influenciar uns aos outros. É importante ter disponibilidade para escutar as coisas novas que fazem. Como Marcelo Camelo, Rodrigo Maranhão e Rodrigo Amarantes, que lançaram novidades recentemente. Gosto de procurar por músicas com as quais me identifico. A brasileira é uma delas.
O disco novo tem menos versões do que em outros trabalhos.
Foi um disco mais de composição, com duas originais. Só duas não são versões. Uma delas, por acaso, é brasileira: Fruta boa, da qual conheci várias versões. Eu me apaixonei por uma de Nana Caymmi. Tem uma versão também de um clássico espanhol, Amapola, que conheci no filme Once upon a time in America (Era uma vez na América). As outras todas foram selecionadas e tiveram os arranjos imaginados, trabalhando com os novos produtores.
Como pensa as versões?
Nas versões, procuro adaptar o máximo possível, para que a música fique confortável para mim. Imagino arranjos com os quais me identifico. Espero uma similaridade. Trabalhei novamente com o Drexler, que conheci por intermédio de Caetano Veloso há uns anos. Como vivo em Madri, moramos perto e mantemos contato permanentemente.
Tem novas parcerias com músicos brasileiros nos planos futuros?
As parcerias têm de ser espontâneas. Não gosto de parceria pensada. Parceria feita pela indústria, pensada ;vamos juntar esse com esse;, para ver se assim conseguimos vender mais discos. Gosto quando são naturais e motivadas pela vontade dos artistas de fazer parcerias.
O que você procurou para esse novo trabalho?
O disco reúne várias experiências novas. Pela primeira vez, gravei com uma orquestra.Tem mais experiências do pop britânico e americano. Um pouco de Beatles e Beach Boys. Influências dos clássicos. Tem uma visão mais cosmopolita. Também fui atrás das trilhas de cinema. Houve muita conversa sobre compositores que escreviam para cinema. Então ficou muito cinematográfico.
Espera que soe como uma narrativa de cinema?
Espero, em primeiro lugar, que as pessoas gostem (risos). Mas cada pessoa faz a própria interpretação. Não quero, não devo e não me sinto no direito de influenciar as pessoas do que quer que seja. Acho que cada um deve fazer a sua interpretação.
Você costuma contar com muitas compositoras mulheres. É algo que preza mais?
Talento não tem sexo. Para mim, é indiferente que seja mulher ou homem. O importante é que seja bom e que eu me identifique. Há um caso específico nesse disco, que pedi para a compositora Luísa Sobral, para uma mulher, porque eu queria cantar como mulher. Talvez por ter feito o disco do Chico, antes de ele ser um mestre a fazer isso, descobri que eu gostava de explorar também essa parte, por isso pedi para Luísa fazer um tema em que eu falaria como uma mulher.
A presença da música brasileira em suas canções aumentou o interesse de portugueses pela nossa música?
Acho que a música brasileira tem público em Portugal. É como ouvir música portuguesa aqui no Brasil. Os artistas do Brasil consagrados tocam em Portugal há muito tempo, como é o caso de Caetano, Chico, Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Marisa Monte, enfim, esses artistas são sempre muito procurados em Portugal. Os portugueses têm muito interesse em saber o que eles fazem. Os shows deles lá são muito concorridos. Há uma outra geração que não tem o mesmo privilégio. O que acho que é o mesmo que acontece com músicos brasileiros aqui no Brasil.
Por quê?
Aho até natural que aconteça, porque temos esse oceano gigante que nos separa e fica difícil manter o contato. Mas eu gostaria de que houvesse maior proximidade, até porque houve muitas parcerias entre músicos brasileiros e portugueses, e acho que todos têm a ganhar com isso. Espero que isso mude e se crie um circuito, com salas e teatros menores, que permitam tocar artistas menos conhecidos, mas com muito talento e que têm oportunidade de mostrar o trabalho. Quero músicos brasileiros em Portugal, e quero músicos portugueses aqui no Brasil também.
O que é mais frequente?
Ainda é mais frequente haver músicos brasileiros em Portugal. Mas não é uma diferença muito grande.
A música brasileira feita hoje ainda te encanta?
Muito. Conheço menos o circuito atual, mais comercial, como o funk, o sertanejo, que na verdade nem sei bem o que são. Mas que são fenômenos gigantes aqui no Brasil. Outras músicas que vão mais no segmento da música popular brasileira, como uma continuação do movimento bossa nova, vou tentando conhecer o máximo possível e ficar ligado. Conheço alguns nomes, como Anitta, que é um fenômeno na escala mundial. Há uma história engraçada que ela falou, numa entrevista, quando se apresentou no Rock in Rio de Portugal, que gostaria de fazer um dueto comigo, quando foi perguntada se tinha um cantor português com quem ela faria um dueto. Eu, claro, faria com todo o gosto. É interessante o trabalho que ela faz, é interessante a dimensão que ela conseguiu atingir, com muito trabalho e talento.
A onda conservadora pode afetar a música brasileira?
Eu espero que não. A criatividade dos artistas tem que continuar. Não apoiei o candidato Jair Bolsonaro, e não sei como ele está sendo como presidente. É a primeira vez que venho ao Brasil desde que ele está no poder. Então, acho que é importante dar um tempo e ver o que acontece.
Em próximo álbum, pretende fazer algo semelhante ao o que fez com Chico?
Eu acho que sim. Há tantos autores e intérpretes que eu admiro. Quando lançamos o disco do Chico Buarque, fizemos uma turnê inteira só com músicas dele. Nessa fase, não cantava nada do meu repertório. Mesmo agora, canto músicas do Chico nos concertos, assim como de Caetano, Vinicius, Tom, entre outros.
* Estagiário sob supervisão de José Carlos Vieira