Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Editora argentina reúne tirinhas que relacionam Mafalda e o feminismo

Sacadas da garota rebelde publicadas há mais de 40 anos tratam de problemas que continuam atuais


Quino começou a publicar as tirinhas de Mafalda em 1964. Desde então, foram mais de 2.000. Não há tema proibido para a garotinha cheia de perguntas e, por isso, não foi difícil identificar um bom volume de tirinhas de teor extremamente feminista. Reunidas em Femenino singular pela editora argentina Lumen, a compilação das tirinhas ainda é inédita no Brasil, mas já mobiliza os leitores da pequena rebelde.

Há de tudo nas historinhas reunidas em Femenino singular, a começar pela implicância da menina com a falta de diploma da mãe e o desespero de não conseguir fazer a amiga Susanita compreender que a vida não se resume a casamento e filhos. Quando Quino começou a publicar Mafalda, havia muito da contracultura explodindo no mundo inteiro. Os Beatles surgiam em Liverpool enquanto os hippies pregavam a liberação sexual e o uso da pílula estava prestes a causar uma verdadeira revolução na vida das mulheres.

Mafalda nasceu nesse meio e veio para contestá-lo. Assim, não há como não ter se tornado um ícone do movimento feminista. A garota não aceitava as explicações fáceis e deterministas sobre o lugar da mulher na sociedade. O olhar afiado de Quino se debruçava sobre todas as particularidades da época, da economia e das obsessões psicanalíticas argentinas à guerra fria.

Com esses temas, Mafalda conquistou legiões de fãs de todas as idades e influenciou várias gerações de quadrinistas. Em Brasília, ela tem seguidoras como Gabi Love Love e Inara Régia, quadrinistas que conheceram as tirinhas ainda na infância. Gabriela Masson, conhecida como LoveLove 6 e autora de Garota Siririca, conta que costumava ler as tirinhas com a irmã. Mafalda virou uma referência forte porque é inteligente e despretensiosa ao mesmo tempo. ;Os outros personagens são superinteressantes também. Acho que ser uma criança é uma forma de deixar mais acessíveis essas questões políticas e sociais que a Mafalda aborda. Acho incrível;, diz Gabi.

Progressista


Para a ilustradora, o feminismo da personagem criada por Quino é uma consequência. ;Acho que a Mafalda é feminista porque é uma pessoa razoável e progressista, e não necessariamente porque levanta e representa um movimento específico feminista. Ela é um ícone do feminismo em quadrinho porque tem esse bom senso de entender que as mulheres precisam de direitos iguais, são tão capazes quanto os homens;, acredita.

Para Gabi, abordar questões sociais e políticas nos quadrinhos é uma forma de tornar os temas mais acessíveis e populares. No caso da produção feminina, a HQ ajuda a ampliar vozes: ;As mulheres têm mais acesso porque você pode fazer sozinha, não precisa de equipe, de dinheiro e pode divulgar na internet. Então, acho que tem esse apelo especial para mulheres que querem falar sobre feminismo e não encontram espaço nos meios de comunicação;. Atualmente, a artista está debruçada na produção de Sheiloca, uma distopia sobre um mundo formado apenas por mulheres e que está sendo publicada no site da autora.



A também ilustradora Inara Régia acompanha a trajetória de Mafalda desde pequena. O primeiro contato com as tirinhas ocorreu durante as tarefas da escola. A mocinha argentina aparecia nos livros didáticos e ajudou Inara a entender que quadrinhos eram coisa séria. Ali, ela compreendeu como o poder de síntese era tão importante quanto a ideia, a sacada. Ao mesmo tempo, mergulhou na ironia engraçada destilada por Mafalda.

Meninos


O fato de a personagem ser uma menina gerou identificação imediata, já que boa parte dos personagens das tirinhas eram meninos. ;E é melhor ainda que a postura dela seja feminista e não um modelo conservador de comportamento para meninas. Adoro como a Mafalda é questionadora, quer entender como as coisas funcionam e não fica calada quando acha que algo está errado;, diz. ;É uma boa influência para todos, mas para as meninas principalmente, porque mostra que elas podem ser assim e isso não é errado. Também é uma boa maneira de introduzir o feminismo e questões relacionadas a ele;.

Morgana Boeschenstein, autora de Bruxas da vida real, não chegou a ter Mafalda como uma referência, mas sabe do peso da personagem e de sua importância na abordagem de questões feministas. ;No meu caso, busco trazer minhas experiências pessoais ou a de pessoas próximas, ou ainda coisas que vejo na mídia; diz. ;Muita coisa que acontece com uma pessoa pode trazer identificação com quem está lendo e o quadrinho é especial por ser uma mídia que traz o texto e o visual. É uma forma única de expressar.;

Mafalda: femenino singular
De Quino. Lumen, 136 páginas. R$ 57,48