Ricardo Daehn
postado em 24/03/2019 06:15
Estar na companhia dos artistas Halder Gomes, diretor de Cine Holliúdy 2, e do reconhecido Falcão, ator da comédia de Halder, é perceber o entusiasmo de uma turma que está ganhando. Passados mais de cinco anos da explosão do primeiro Cine Holliúdy, orçado em R$ 1 milhão (e vencedor de edital, junto com ousados filmes como O som ao redor e Amarelo manga), a segunda fita, que cerca as desventuras e as vitórias do ;lascado; e cinéfilo Francisgleydisson (Edmilson Filho), foi criada a partir de R$ 6 milhões, dada a complexidade da trama que reúne terráqueos, mitos como Lampião e criaturas vindas de outro mundo. A resposta ao esforço de Halder e equipe, há cinco anos, veio em forma de público: com apenas nove cópias (progressivamente expandidas), o longa chegou à 11; posição dos filmes nacionais mais assistidos naquele período.
O ex-dono de academia de artes marciais, fisgado pelo cinema por fitas de Bruce Lee, e agora cineasta irradia alegria ao lembrar que a comédia que assina recuperou a autoestima de um público menos favorecido que se sentiu confortável de ir ao cinema do shopping, por se notar representado, na região nordestina. Já ;o público mais cult; de São Paulo e Rio de Janeiro inflou as bilheterias ao ver ;algo exótico; (como ele reforça) na produção. ;A comédia, em si, transita por qualquer classe social e econômica no Nordeste. Enquanto a Disney se mata para colocar duas gerações no cinema, juntas; a gente pôs três: pais, netos e filhos. Os avós iam pela nostalgia. Eles reconectaram com o cinema que viram nascer e que é desconhecido por muitos;, comenta.
Para Halder, as legendas incorporadas ao filme são necessárias. ;Homem sem sotaque está querendo me enrolar. Há a pluralidade linguística de sotaques no Brasil e, para se comunicar, de forma autêntica acho que precisamos dela;, observa. Ele conta que, involuntariamente, as legendas de Cine Holliúdy servem como ferramenta de inclusão social e até estimularam a Ancine a disseminar as versões legendadas para os títulos nacionais. Também associados à inclusão, os cegos estão representados na trama de Cine Holliúdy 2: A chibata sideral, em papel defendido por Falcão. ;Lembrei do ceguinho da minha cidade, e outro, da minha rua. Todos os ceguinhos que conheço são espirituosos ; são muito cheios da nossa fuleragem cearense (risos). Homenageei ainda cegos ícones do Ceará, como os cordelistas Aderaldo que fazia projeções itinerantes de cinema e o rabequeiro Oliveira;, explica o cantor.
A ascensão do politicamente correto não estremece a atuação do humorista Falcão, pelo que conta ; ;Nunca foi empecilho, por não ligar pra isso. É minha sina fazer o meu tipo de humor. Com a projeção de alguns personagens, damos vez para quem é discriminado. Azar é de quem pense que a gente tá querendo rebaixar cego;. ;Humor pode ser separado por piada boa e piada ruim. Quando é boa, com contexto, as pessoas transcendem julgamentos. Quando a piada é ruim ; ela é ruim de um tudo;, simplifica Halder. Ele conta que não arma piada, em A chibata sideral ; ;É humor pebufo (como dizia Chico Anysio): não te dá noção nenhuma de que tipo de comédia será vista, e que viradas virão. É humor urgente: que perde o mico, mas não a piada;.
Um óvni capital
Numa passagem por Brasília, a dupla Halder e Falcão se vê unida pela eterna animação ligada à ;sedução; e ;modernidade; da capital. Falcão é quem filosofa: ;Sou arquiteto; então Brasília é uma paixão, desde antes de eu andar pelas ruas daqui. Nos anos 1980, foi o que a gente mais estudou na faculdade. Além de alegrias, a cidade traz lembranças políticas que não são tão saudáveis. Aliás, de presentes também; mas o presente político brasileiro é de grego (risos). Estou com a consciência limpa por não ser dos culpados disso que está por aí (risos);.
Localizada no passado, nos anos de 1980, a trama de A chibata sideral dialoga com longínqua realidade associada ao Ceará. ;Lá tem enorme incidência destas histórias de disco voador. Na minha terra, que é Pereiro, já baixou uns bichos das orelhas grandes (risos). Quixadá (CE) mesmo é um centro ufológico;, reforça Falcão. ;É o caso Roswell (incidente americano com supostos ETs) do Brasil!”, completa Halder. Falcão lembra que, já aos fins do século 19, havia livro sobre ufologia no Ceará. ;Isso quando Julio Verne fazia as coisas dele lá na França ; nisso, o Brasil produzia o primeiro livro de ficção científica da América Latina;, recorda.
Nos fatos, a facilidade percebida pelo diretor para propagar a cultura popular e a associação da ufologia com o imaginário de muitos. Halder comenta, por exemplo, que Rachel de Queiroz, na revista O Cruzeiro, nos anos 1950, escreveu artigo sobre casos de ufologia que ela mesma teria visto. Daí a naturalidade no encaixe das histórias com o filme.
Tom peculiar
Halder Gomes aposta na particularidade de suas criações quando o tema é Cine Holliúdy. A singularidade vem das referências que agregam Glauber Rocha, Humberto Mauro e estilos do suspense, terror e sci-fi. ;Usamos temperos diferentes nesta receita difícil de ser qualificada. Acho que é um filme joiadamente galáctico (risos). Passeamos por gêneros e estéticas. Nas cores, apostamos numa paleta que traz Matisse, van Gogh, o primitivista Chico da Silva, Miró e Calder. Estudo muito porque sei do impacto das cores no inconsciente do público;, diz. A sátira de extraterrestres é incrementada pela acidez lançada contra a conjuntura política, social, religiosa e contra um profundo escracho.
E, em meio a tanta vitória, haveria espaço para pouco caso relacionado a Cine Holliúdy, exemplar muito ligado ao que seja popular no Nordeste, por vezes, aviltado por preconceitos? ;O Nordeste tem o histórico de sofrer preconceitos, mas a gente nunca baixou a cabeça nem nunca se rendeu. A gente nunca amofinou, como diz lá no Ceará (risos);, pontua Falcão.
Ao que, Halder completa: ;A gente tira onda, e fresca com a gente mesmo, e, depois que isso acontece, o que você vier a dizer não quer dizer mais nada. Com o ódio, em cima da polarização que está acontecendo, chegaram a ficar cegos para a importância do Nordeste para o Brasil. O que seria do Brasil sem a qualidade artística que vem de lá ; da música, da literatura, de tudo? Sem isso, o brasileiro fica sem alma. Se o pulmão do Brasil é a Amazônia, o Nordeste é o coração, e pulsa forte;.