Jornal Correio Braziliense

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Sustentabilidade e saúde são o foco da autora de Bela Gil em quinto livro

Em 'Bela Cozinha: da raiz à flor', a chef ensina a evitar o desperdício e a aproveitar quase 100% dos alimentos

Bela Gil gosta de fazer contas. Com os números na ponta do lápis, pode ser mais fácil convencer as pessoas. Pensando assim, ela pede que se considere o preço e o peso de um melão. Cinquenta por cento da fruta equivale à casca. Se o quilo do melão custa R$ 5, então R$ 2,50 vão parar no lixo após o consumo da polpa. O mesmo vale para boa parte de frutas, verduras e legumes. É um problema cultural com o qual a chef decidiu lidar em Bela Cozinha: da raiz à flor, quinto livro da autora e primeiro no qual fala do desperdício dos ingredientes utilizados na cozinha.

O livro é um projeto antigo. ;Surgiu a partir da última temporada do programa;, avisa a ativista e apresentadora, que toca, no canal GNT, o programa Bela cozinha. ;Depois de 10 temporadas, queria falar sobre o desperdício de alimento, que é um problema que acontece na cadeia inteira.; Segundo a autora, na cadeia normal de consumo, o desperdício é, em média, de 30%. No caso de legumes e verduras, pode chegar a 50%. O problema vem desde a produção, no campo, e se estende ao ambiente doméstico. Em casa, Bela calcula que um terço do que se compre acaba na lata de lixo.

[SAIBAMAIS]Boa parte da culpa, a apresentadora aponta, é do consumidor. E vem de uma cultura que vai além da cozinha, da mesa e do supermercado. ;É uma questão cultural, por isso acho que fazer o livro, ter um programa e falar sobre isso pode ajudar nessa mudança cultural. Muita gente torce o nariz, mas a gente tem receitas muito gostosas e saudáveis, então não tem por que não usar;, garante. Ela tem consciência de que, para convencer o público a embarcar no uso de cascas, sementes, raízes, flores e folhas tradicionalmente descartados, é preciso provar que isso pode ser saboroso e, até, mais barato. E também que esse tipo de prática é saudável para o meio ambiente, embora Bela saiba que, para boa parte das pessoas, esse detalhe está em segundo plano. ;E isso, só experimentando. Pena que falta iniciativa dos poderes públicos para implementar isso, por falta de conhecimento ou de vontade;, aponta.

O desperdício na cozinha é reflexo de um outro comportamento, mais amplo e que diz respeito ao consumo de forma geral. ;A gente está muito focado em padrões de consumo relacionados à estética, à beleza. O desperdício também acontece, muitas vezes, porque o alimento não está perfeito;, diz Bela. No livro, ela lista 37 receitas nas quais talos, flores, sementes, cascas e folhas são os protagonistas e explica como o uso desses elementos pode baratear a alimentação.

Além do livro, Bela investe em várias ações para divulgar a alimentação saudável. Com o Instituto Socioambiental (ISA), ela trabalhou com merendeiras do alto Xingu para implementar a farinha de babaçu na merenda escolar. Uma parceria com a Sociedade Mariana Brasileira ajudou a criar receitas vegetarianas para escolas públicas em São Paulo. ;Hoje, mais de 2 milhões de crianças estão comendo de forma saudável nas escolas;, conta.

Há um ano sem gravar, Bela começou a trabalhar na próxima temporada do Bela cozinha. Depois de trocar Nova York pelo Rio de Janeiro, ela decidiu investir em estudar e fez um mestrado na Faculdade Slow Food, na Itália, em comida, cultura e mobilidade. Com o curso concluído, ela vai retornar à bancada do programa, mas ainda não revela como será o formato da nova temporada. ;Ainda está muito no começo;, diz.

DUAS PERGUNTAS / Bela Gil
A dificuldade em aceitar o aproveitamento de restos é um reflexo da maneira como consumimos de maneira geral?

A gente está muito focado em padrões de consumo relacionados à estética, à beleza. O desperdício também acontece, muitas vezes, porque o alimento não está perfeito, a maçã não está redonda ou o tomate lisinho e os alimentos são vistos como imperfeitos e não dentro do padrão. A gente precisa mudar o nosso olhar sobre o que é beleza e padrão de consumo. Acho que tem esse padrão da beleza que acaba dificultando aceitar. É um reflexo da nossa cultura, a mulher tem que nascer dentro de uma forma X pra ser aceita, e isso está errado.

Tem muito preconceito?

Tem preconceito, mas a mudança tem que ser estrutural, a gente tem que mudar em todos os setores, por isso educação alimentar é tão importante, fazer a criança entender de onde vem a comida, que tem vários padrões. Porque mudar a cabeça de alguém que tá com a cabeça feita é mais difícil. Temos que ensinar as crianças.

Bela Cozinha ; Da raiz à flor: um novo olhar sobre os ingredientes do dia a dia
De Bela Gil. Globo Livros, 136 páginas. R$ 59,90