Nesta semana, dois documentários de repercussão internacional estreiam na TV a cabo brasileira. A minissérie documental Sobreviver a R. Kelly (que apresenta depoimento de supostas vítimas e revelações da vida pessoal do cantor R. Kelly) estará no Lifetime. Outro destaque é o Deixando Neverland — com relatos de dois homens que afirmam ter sidos vítimas de abusos sexuais promovido por Michael Jackson ainda na infância —, a ser exibido na HBO. Ambas as produções lançam luz sobre polêmicos casos de abuso sexual envolvendo grandes estrelas do mundo da música.
Sobreviver a R. Kelly levará ao público, em seis episódios, a história de um ícone do R&B do começo dos anos 2000. Dono de hits como I believe I can fly (de 1998), Ignition (de 2003) e Step in the name of love (também de 2003), Robert Sylvester Kelly, mais conhecido por R. Kelly, trabalhou com estrelas atemporais, como Whitney Houston, até celebridades contemporâneas, como Lady Gaga. Atualmente, entretanto, o cantor e dançarino de 52 anos passa por um período delicado.
No último dia 25 de fevereiro, R. Kelly estava preso por conta de 10 denúncias de abuso sexual de diversas mulheres, sendo quatro delas com agravante, pelo menos três com idades entre 13 e 17 anos. Após pagar um valor de cerca de US$ 100 mil de fiança, o cantor foi liberado. Em 2002, ele havia sido preso por posse de pornografia infantil, entretanto, foi absolvido em julgamento. Em uma entrevista para um dos maiores jornais norte-americanos na última terça-feira, R. Kelly negou veementemente todas as acusações ,afirmando “Não preciso fazê-lo. Por que o faria?” e “Isso é uma idiotice. Usem o bom senso”. Em certo momento, o cantor grita em lágrimas a própria inocência: “Eu não fiz essas coisas! Esse não sou eu! Estou lutado pela (xingamento) da minha vida”.
Documentário
Em contrapartida, supostas vítimas do cantor contam uma versão diferente no documentário Sobreviver a R. Kelly. A norte-americana Asante McGee é uma das que denunciam o músico, e em entrevista ao Correio, a mulher explica um pouco sobre como foi o primeiro contato com o músico: “Eu primeiro o conheci em setembro de 2013, com umas pessoas da equipe, mas o contato mais cara a cara foi só em outubro de 2014 e quando o conheci, vi o que todos viam: o R. Kelly astro e gentil, que não machucaria ninguém. Até que me mudei para a casa dele e percebi que ele era uma pessoa completamente diferente”.
O cantor costumava receber aspirantes à indústria do entretenimento na própria casa, onde os supostos abusos ocorriam. “Quando notei o quanto as crianças eram novas eu percebi que não podia ficar sem fazer nada. Aquelas crianças não poderiam passar por isso, nenhuma mulher deveria fazer isso”, afirma Asante. Ela também argumentou sobre o porquê se envolveu com o cantor, mesmo sabendo do histórico de acusações que o cercavam: “Para mim, nunca acreditei que ele era um predador. Eu nunca imaginei que ele ficaria livre com tantas provas que as pessoas diziam ter. Particularmente, nunca imaginei que, de fato, isso seria verdade, até que a gente passa por isso”.
Asante também explica que a exposição do documentário a assustou, mas a possibilidade de alerta para as outras mulheres foi o que lhe guiou: “Eu decidi participar porque foi uma das primeiras que decidiu denunciar e com tantas outras de nós eu me senti no dever de falar para todos, e mostrar um entendimento melhor para as pessoas entenderem o que estava ocorrendo. Foi muito difícil, porque eu sabia que seria julgada, sabia que teria muita crítica, mas não tantas depois de tanto tempo. Então, acho que isso foi o mais difícil”.
Brie Miranda Bryant, vice-presidente do canal Lifetime, responsável pelo Sobreviver a R. Kelly, explica, ainda, sobre um importante detalhe que permitiu às vítimas irem a público no documentário: o movimento Me Too. Mesmo tendo sido criado em 1996, a ação popular com o objetivo de incentivar denúncias de abusos sexuais ganhou fama global em 2017, quando grandes celebridades de Hollywood acusaram Harvey Weinstein. “Eu acho que esse programa foi muito além do que imaginávamos. Não parou com o documentário, essas conversas são algo muito necessário. Quando o Me Too ocorreu, abriu portas para um debate social entre as mulheres. Acho que o que mudou desde então é que agora temos homens e mulheres falando sobre isso”, analisou Brie.
À emissora Lifetime, R. Kelly também negou as acusações.
Memória de Michael
No documentário Deixando Neverland, por outro lado, dois homens realizam as acusações: James Safechuck e Wade Robson. Ambos levam ao público uma história de abuso — que começou desde os 7 e 10 anos, respectivamente — supostamente realizado pelo astro Michael Jackson. Na versão dos dois, o famoso rancho do rei do pop, Neverland, era sinônimo de local para abusos e sofrimento. “Toda vez que eu estava com ele, toda vez que passava a noite com ele, ele abusava de mim. Jackson me acariciava, tocava meu corpo inteiro”, declarou Robson.
A estreia de Deixando Neverland no Festival de Cinema Sundance, no começo do ano, causou polêmica. Entre fãs e defensores de Michael, se destacam as críticas da família ao documentário. Taj Jackson, sobrinho do astro, tem sido uma das vozes mais ativas quanto ao conteúdo que será exibido na HBO. Segundo Taj, não há provas que sustentem o que Robson e Safechuck afirmam e que as acusações não passam de uma tentativa de arruinar a memória do tio. “Após ter as acusações de abuso arquivadas pela corte, esses homens foram à HBO, ao Channel 4 (uma emissora britânica) e ao Sundance Film Festival para contar as histórias deles. Eu estou profundamente decepcionado com o Sundance. Basta. Michael Jackson morreu como um inocente, um homem vitimado. É hora de levantar e lutar pela verdade”, escreveu Taj em site que arrecada fundos para criar um filme favorável a Michael.
O astro morreu em 2009. Em 2017, o processo contra Michael foi arquivado pelo juiz Mitchell L. Beckloff.
“Eu nunca imaginei que ele ficaria livre com tantas provas que as pessoas diziam ter. Particularmente, nunca imaginei que, de fato, isso seria verdade até que a gente passa por isso”.
Asante McGee