Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Carlinhos Brown comemora 40 anos de carnaval e fala sobre a carreira

Axé music, política e Brasília são alguns dos temas tratados pelo artista baiano que, a cada carnaval, se reinventa


Bodas de esmeralda para o duradouro casamento entre Carlinhos Brown e o carnaval. A relação que teve início em 1979 completa 40 anos com o resgate da cultura africana, negra e muito amor pela terra tupiniquim. Contemplado ao som dos batuques instrumentais, o artista tornou-se um dos maiores símbolos da música popular brasileira e ícone da mais animada festividade do Brasil.

Em comemoração aos anos dourados da axé music, o percussionista lançou a música O que seria (Carnavalesca). A canção, que intercala trechos em português e inglês, mostra toda a versatilidade artística do cantor. Reconhecido por ser um grande compositor, é o autor de hits que ganharam projeção nacional na voz de outros cantores, como Dalila (Ivete Sangalo) e Uma brasileira (Paralamas do Sucesso). Além disso, é o responsável pela criação da Timbalada, que espalha sucessos diretamente do Candeal para o mundo. Em época de carnaval e clima de festa, o Diversão & Arte conversou com Carlinhos Brown. Confira a entrevista, que fala sobre a carreira do multi-instrumentista, os 40 anos de carnaval, a história da axé music e muito mais.

Brasília

;Vou contar um pouco da minha relação com Brasília. A primeira turnê da axé music passou pela cidade, quando nada era nada e Luiz Caldas cantou o Fricote. Inclusive, temos dois hits. Uma das músicas que escrevi com ele é Visão do cíclope, que era um manifesto quero ver toda massa cantando reggae e também era uma proteção. Na Bahia, começou a se usar cabelo rastafári e se instalou um preconceito enorme com esses cabelos.

No primeiro show que nós fizemos em Brasília, abrimos para Luiz Gonzaga. Chegamos a trabalhar com Pinga e Poladian, que eram agentes de Roberto Carlos. E aí, pelo interesse de tudo que se estava fazendo na Bahia, o projeto da axé começou a se expandir e nos dar segurança de que podíamos ir além. E nós, com certo patriotismo do pós-ditadura, tínhamos o desejo de que a cultura brasileira fosse reconhecida, sem desrespeitar a força do rock nacional. Naquele tempo, para se afirmar, o rock precisava muito ir ao Nordeste, sobretudo na Bahia, primeiro lugar onde estouraram as músicas de Renato Russo, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso e toda aquela febre dos anos 1980. Da mesma forma, a axé music foi levada até a capital federal como parte da cultura brasiliense;.

40 anos

;Rapaz, parece ontem. O movimento axé é a maior tangente musical por ser primal. Ele já estava deslumbrado em alguma organização molecular do cosmo. A rítmica do Brasil se organizou primeiro que o próprio povo. E, para mim, esses 40 anos de carnaval significam que grandes amigos em torno de uma expectativa deixaram um legado na profissionalização desse carnaval de rua.

Nós estamos buscando novas temáticas, em que a nova música esteja na moda, com a cara do jovem. Eu estou entrando na fase clássica. O Rio de Janeiro mandou pesquisadores estudarem para realizar essa festa com os blocos de rua que está tomando conta do Brasil. E o recado do movimento axé music é que não tem mais o carnaval da Bahia, nem de Recife, nem de São Paulo ou de Minas Gerais. É o carnaval do Brasil! Por isso, eu criei, no meu primeiro dos 40 anos de carnaval, o único bloco nacional da época.

A nova visão é que, com sete dias de carnaval, nós, artistas, podemos nos integrar dentro do país e não apenas em nossos redutos, nas nossas cidades de origem. Isso facilita a movimentação dos estilos musicais e de diferentes culturas, para que os carnavais se modernizem e não fiquem monotemáticos;.

Segregação

;A minha opinião é clara. O erro não é ter um bloco com corda e um bloco sem corda. O erro é querer sete dias para apenas um estilo. A extinção do cordão não é legal, porque ele também aproxima socialmente, é uma maneira para se curtir em grupo. Ele é um espaço para uma comunidade que quer curtir ali. O problema é quando tudo isso exaure e permanece pelos sete dias.

O bloco com cordas se transforma numa espécie de navio negreiro quando está com o sem corda. Tem que ter o dia para cada um. Não podemos perder a tradição que vem dos clubes, o cordão também é uma ferramenta de brincar. Mas devemos respeitar a história do povão no carnaval de rua.

Mas, sinceramente, o carnaval de Salvador precisa é de uma programação. Cadê os belíssimos blocos afros? Sumiram? Nós estamos com uma visão e um pensamento de fazer aquilo que nos viabiliza economicamente, o que é um equívoco tremendo. Só vai desgastar o desejo do público e fomentar uma imagem de separatismo, de segregação. Eu não sou a favor da destruição dos conceitos, mas da adequação para um bem maior;.

Politicagem

;O maior problema do carnaval é quando a festividade passa para as lideranças políticas e elas iniciam uma disputa para ver quem está fazendo mais. Aquela briga entre município e estado. Eles se perdem do carnavalesco e, em alguma parte do processo, vai faltar magia e sobrar política. Essas adequações precisam acontecer. Nós, artistas, estamos recebendo críticas ,pois estão aprisionando a lei de incentivo. O público não entende que a burocracia financeira para produzir o carnaval existe, mas que o retorno é muito maior. Tem muitas restrições que não estão explícitas;.

Axé music

;O axé está na fase mais áurea e gigante por conseguir, de uma forma espontânea, contagiar a todos os estilos. Contagiou o sertanejo e podemos ver isso nas músicas de (Wesley) Safadão, por exemplo. A axé music ;carnavalizou; a música sertaneja e isso é bonito. O axé trouxe o afro-português e o sertanejo traz o afro-italiano. Eles têm menos percussão, mas não perdem a sonoridade estética. Por outro lado, tem a música eletrônica. A mudança existente no funk carioca, que se tocava como as músicas de Miami e agora se transformou a partir dos ensinamentos dos batuques aqui da Bahia.

A Bahia, historicamente, tem um comportamento celular transformador. Era óbvio que quando alguns alunos meus, como Márcio Victor (Psirico), migraram precisamente para o movimento do pagode baiano, isso ia virar cultura. Eu nem estou defendendo o axé, porque ele não precisa de defesa, ele fala por si só. É o movimento musical mais vivo no mundo;.

Vida de artista

;Levo com muita disciplina. Tem que ter disposição pra fazer, mas o bom é que evita qualquer rechaço interno. Eu sou artista, eu pedi a Deus que me desse visibilidade. O estilo de vida me trouxe trabalho, então não posso correr ou desistir. Tenho que me manter focado, no que tem que fazer, se não é impossível de aguentar. Quem não está preparado para um tipo de serviço desse é melhor ficar em casa. É como dizem, carnaval se faz 365 dias no ano.

*Estagiário sob a supervisão de Igor Silveira