Durante muito tempo, foi difícil imaginar uma personagem acima do peso como protagonista de uma história de sucesso, principalmente em uma narrativa em que a mudança física não fosse um mote. Porém, nos últimos anos, essa barreira tem sido quebrada e a escritora norte-americana Julie Murphy é uma das responsáveis por isso.
Em setembro de 2015 ela lançou o romance Dumplin’, que logo apareceu em primeiro lugar na lista de best-sellers do New York Times. A obra, que está sendo lançada no Brasil pela Editora Valentina, retrata a história de Willowdean Dickson, uma adolescente gorda que convive bem com o próprio corpo, mas tudo muda quando começa a se relacionar misteriosamente com Bo, garoto com quem trabalha numa lanchonete.
Com uma autoestima em queda, ela decide se inscrever no Concurso Miss Jovem Flor do Texas, ao lado de outras três amigas que também estão fora dos padrões, para mostrar que merece participar tanto quanto qualquer outra menina. O que causa uma reação na mãe da jovem, Rosie, uma das vencedoras de edições anteriores e a atual organizadora da disputa que agita a cidade. Obcecada pela beleza padrão, ela quer que a filha se encaixe. Essa premissa abre espaço para vários debates, entre elas, a relação entre mãe e filha e o principal que há espaço para todos nesse mundo.
O sucesso da história dos livros deu origem a uma adaptação da Netflix. Com o mesmo título da obra, o filme tem direção de Anne Fletcher (A proposta, Ela dança, eu danço e Vestida para casar) e conta com Jennifer Aniston na pele da mãe de Willowdean, uma das misses vencedoras do concurso, e Danielle Macdonald, que ficou famosa por aparição em filmes como Patti Cake$, Lady Bird e Bird box, como a protagonista. O longa-metragem foi lançado na plataforma em 8 de fevereiro.
Apesar de o roteiro do filme ter sido escrito por Kristin Hahn, a autora do livro Julie participou ativamente da criação da versão em filme da história. “Me tornei muito próxima da roteirista, a quem eu admiro e tenho muita gratidão”, conta.
Em entrevista ao Correio, a autora contou sobre o que a motivou a escrever a história de Willowdean, que já tem uma continuação confirmada em livro intitulado Puddin’ e chegará ao Brasil em breve.
Dumplin’
De Julie Murphy. Tradução: Heloísa Leal. Editora Valentina, 336 páginas. Preço médio: R$ 39,90 (físico) e R$ 29,50 (e-book).
Entrevista/ Julie Murphy
Qual foi a sua motivação para escrever a história do livro Dumplin’?
Enquanto eu estava crescendo, eu sempre temia ver personagens gordos em livros, na televisão e nos filmes, porque eles sempre estavam lá para fazer piada ou para se redimir perdendo peso. Depois de passar a maior parte da minha adolescência me torturando e arruinando meu corpo com dietas iô-iô, eu estava desesperada para apenas me aceitar e começar a viver minha vida. Mas quando olhei ao redor, percebi que nunca conseguia ver pessoas que se pareciam comigo no mundo. Ninguém escreveu sobre garotas gordas salvando o dia, ou se apaixonando, ou apenas vivendo vidas normais. Escrevi Dumplin’ para a minha versão adolescente, mas a Julie adulta também precisava disso.
O livro é de 2015 e é um dos best-selles dos últimos anos. Por que você acha que é uma obra que fez tanto sucesso?
Eu acho que há algo sobre o livro que quase todas as pessoas podem se relacionar. Nem todo mundo é gordo, claro, mas todo mundo tem algo que faz com que eles se sintam marginalizados e como se não se encaixassem. O relacionamento entre mãe e filha também é algo com o qual muita gente se identifica. A maioria dos pais só quer dar o melhor para seus filhos, mas não há treinamento sobre como dar isso e os pais não são perfeitos.
Um dos pontos mais importantes do livro é mostrar uma protagonista fora dos padrões estéticos sob um novo ponto de vista. Para você, qual é a importância de uma história ter uma figura como Willowdean servindo de modelo para jovens meninas?
Você não pode ser o que você não vê. É quase impossível para pessoas com diferentes formas corporais se imaginarem bem-sucedidas se não ilustramos isso em nossa ficção. Eu também acho que pessoas de todas as formas e tamanhos se relacionam com Willowdean. Acho que todos somos vítimas de pressões da imagem corporal. É algo que todos nós precisamos lutar contra e, ver uma luta de personagem contra a opressão, é uma ótima maneira de começar.
Neste ano, o livro ganhou uma versão em filme produzida pela Netflix. Como surgiu essa oportunidade?
O filme é verdadeiramente o resultado de pessoas apaixonadas por esse projeto e que ousaram dizer “sim”. O que realmente se resumiu foi que Kristin Hahn (roteirista), Jennifer Aniston, Dolly Parton (atriz norte-americana e cantora de country, ídola mor da protagonista Willowdean no livro e no filme) e o resto dos produtores nunca terem aceitado um “não” como resposta. O longa-metragem foi filmado de forma independente e, em seguida, tivemos a sorte de ser comprado pela Netflix, que realmente foi a casa perfeita para este projeto. Estou muito honrada de trabalhar com eles.
Você teve a oportunidade de trabalhar de alguma forma no filme?
Passei muito tempo nos sets de filmagem e também dei algumas sugestões ao roteiro. Me tornei muito próxima da roteirista, quem eu admiro e tenho muita gratidão. Ela realmente me incluiu em todo o processo com ela, o que é algo que ela não tem que fazer e definitivamente não é o padrão em Hollywood.
Você tem alguma intenção de escrever alguma sequência de Dumplin’ além de Puddin’ (continuação da história, que será lançada ainda neste ano no Brasil)?
Tenho algumas ideias em mente, mas nada sólido no momento. Eu adoraria um dia, mas o tempo e a ideia precisam estar certos. Quem sabe? Nunca direi nunca.