Isabela Graton*
postado em 10/02/2019 06:45
Dançar, sair com os amigos, usar fantasias e muito glitter, curtir e ocupar a cidade na maior festa do ano ; tudo isso é o que os foliões e folionas esperam do carnaval. No entanto, para mulheres, pessoas negras e LGBTs, muitas vezes, a folia traz constrangimento devido às situações de preconceito perpetuadas. Durante as festividades, todos querem extravasar, no entanto, a noção de que esse é um período mais livre acaba acarretando mais violência.
Tânia Maria, socióloga e professora da UnB, explica que se cria no imaginário popular a ideia de uma festa libertária, onde é possível fazer tudo: ;As pessoas estão dando vazão às fantasias, mas entram aí também as estruturas de poder porque essas fantasias estão dentro da sociedade e acabam reafirmando os preconceitos.;
Assim, a diversão vem acompanhada de uma maior vulnerabilidade para as mulheres, pois os homens se sentem ainda mais no direito de fazer comentários maliciosos, puxar cabelos e braços ou tentar forçá-las a fazer algo. Assim, o assédio que já acontece no dia a dia se torna ainda mais frequente.
Dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo federal mostram que no período do carnaval de 2017 o número de denúncias feitas por meio do Ligue 180 (serviço exclusivo para denunciar crimes contra as mulheres) subiu 90% no país todo, enquanto no Distrito Federal em 2018 só no primeiro fim de semana de folia foram registradas 766 denúncias, de acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Paz Social.
Além do assédio, furtos e roubos ocorrem frequentemente e têm como principal alvo também as pessoas mais vulneráveis. Caroline Zampiron, estudante de jornalismo, feminista e criadora da marca de roupas de carnaval Caju passou por uma situação de violência no carnaval de Brasília de 2017, quando um homem colocou drogas em sua bebida sem que ela percebesse, cometendo o golpe conhecido como Boa noite, Cinderela. ;Eu apaguei mais de duas horas. Ainda bem que uma mulher que ficou me olhando, mas eu acordei sem nada, com a bolsa vazia;, conta. Ela ressalta também que os homens se tornam ainda mais agressivos, pois acreditam que as roupas curtas são um convite para o assédio.
Não é não
Esse aumento das situações de violência foi o que motivou o grupo de amigas Aisha Jacob, Barbara Menchise, Julia Parucker, Luka Campos e Nandi Barbosa a criar o coletivo Não é Não, em 2017 no Rio de Janeiro, para promover a conscientização sobre assédio. A frase, simples mas, ao mesmo tempo, muito significativa, é disseminada pelos blocos em tatuagens temporárias distribuídas gratuitamente para as folionas. O sucesso da campanha as incentivou a levar o Não é Não para o carnaval de outros estados em 2018.
Este ano, a ação será realizada também no Centro-Oeste pela realização de um financiamento coletivo para arrecadar verba para a distribuição das tatuagens durante o carnaval de Brasília e de Goiânia (você pode colaborar pelo site https://benfeitoria.com/naoenaodfgoref?=benfeitoria-pesquisa-projetos). ;A ideia da tatuagem é que forme uma rede de apoio de mulheres e levantar o debate sobre o assédio;, explicou Luka Campos, coordenadora nacional do coletivo. A ação reforça, assim, o fato de que o corpo da mulher não é público e que seus desejos devem ser respeitados, além de incentivar a sororidade e união entre elas.
Outra campanha que incentiva as mulheres, os negros e negras e LGBTs a se unirem contra as opressões é a Folia com Respeito, lançada por integrantes dos blocos de carnaval de Brasília em 2018. Por meio da caracterização das pessoas enquanto super-heroínas a campanha mostra que todos devem auxiliar a vítima ao presenciar uma situação de violência. Assim, nos vídeos e fotos compartilhados utiliza-se do humor para conscientizar sobre o combate ao racismo, à LGBTfobia e ao machismo que ocorrem durante a folia.
Até o momento, a carta-compromisso da campanha de 2019 conta com 61 assinaturas, sendo 53 delas de blocos de carnaval. Letícia Helena, coordenadora da campanha, explica que ao utilizar o selo #foliacomrespeito os blocos e parceiros assumem um compromisso de tolerância zero com a violência e de apoio às vítimas de abuso. Ela também ressaltou que o movimento visa construir uma parceria com o GDF, visto que o apoio do poder público é de extrema importância para combater a violência e conscientizar a população.
A Secretaria de Cultura do Distrito Federal lançou no início de fevereiro uma campanha para o carnaval de 2019 em suas redes sociais com o mote ;Eu sou o Bloco do Respeito;, que visa incentivar o respeito às mulheres, à diversidade de gênero, limpeza e preservação dos espaços públicos. Porém, muitas ativistas pedem por um maior apoio do governo. O combate aos preconceitos e à promoção do direito das mulheres de se divertir e ocupar a cidade durante o carnaval garante que todos possam exercer a cidadania e curtir as festas com segurança.
* Estagiária sob a supervisão de Vinicius Nader