Igor Silveira
postado em 30/01/2019 06:05 / atualizado em 30/10/2020 10:22
“M-O-N-O-B-L-O-C-O, que beleza! Uh, Monobloco!” Quando Pedro Luís e sua trupe soltam o grito de guerra e a bateria inicia a levada tão característica do bloco, não há folião parado entre as centenas de milhares que a agremiação costuma arrastar pelas ruas do Rio de Janeiro. Com 19 anos de estrada, o Monobloco transcendeu as fronteiras do carnaval carioca (desfile em 10 de março) e desenvolveu oficinas para transformar leigos em músicos e, consequentemente, em integrantes da bateria, também em São Paulo (24/2) e em Minas Gerais (5/3). “Sempre com a preocupação de respeitar as peculiaridades de cada cidade”, ressalta Pedro.
Os desfiles de 2019, no entanto, terão um elemento mais latente que os outros anos, admite o principal vocalista do grupo: os nervos aflorados por conta do atual cenário político do país. “Eu, particularmente, pensei: ‘Meu Deus, como vamos fazer?’. Mas a música tem esse papel de agregar, de desarmar as pessoas. É aí que entramos em cena”, afirma o carioca de 58 anos, mas com a empolgação de décadas atrás, quando lançou o primeiro trabalho com A Parede, outro grupo do músico.
Como vem fazendo há alguns anos, o Monobloco escolheu, democraticamente entre os membros das oficinas de percussão nas três capitais, o tema Abram alas pra elas — Homenagem às mulheres da música brasileira. Assim, além dos clássicos sempre presentes no repertório do bloco, incluindo Taj Mahal, Fio Maravilha e É hoje, por exemplo, o grupo faz homenagem especial à Chiquinha Gonzaga, autora de Ô abre alas, uma das primeiras batalhadoras a se firmar na música popular brasileira, e sucessos na voz de outras mulheres, como Coisinha do pai (Beth Carvalho), Sonho meu (Dona Ivone Lara), Uma noite e meia (Marina Lima), além de hits mais recentes de Anitta, Ludmilla e Iza, com Essa mina é louca, Din Din Din e Pesadão, respectivamente.
Em entrevista ao Correio, Pedro Luís fala sobre a expectativa para os desfiles deste ano, o momento delicado político e socioeconômico que o Brasil atravessa, a função social do carnaval de rua e sobre a paixão por Brasília.
ENTREVISTA / Pedro Luís
Qual a importância de o Monobloco escolher um tema que homenageia diretamente as mulheres?
Acho que, em uma sociedade misógina, em que a gente está vendo ressuscitar o machismo explícito, trazendo atrocidades em pautas retrógradas, mesmo sabendo que o machismo estrutural nunca foi vencido, as mulheres são as maiores vítimas, as mais atingidas, assim como negros, população LGBT e pobres. Então, temos de endossar esse empoderamento feminino.
Por quê?
Porque, a partir delas, sairá um jeito de vencer o que está aí. Lógico que há mulheres que corroboram essa cultura machista estrutural e explícita, mas a mulher tem uma força para lidar com afeto, firmeza e inteligência que nós, homens, não temos. Elas amadurecem mais rápido que os homens socialmente, criticamente e fisicamente. Esse conjunto de características do feminino e a capacidade de distribuir o afeto com mais frequência, faz com que a gente precise participar desse empoderamento. É uma maneira singela, artística, utópica, mas é importante que a gente faça, porque são elas que podem fazer diferença no mundo, onde há questões conservadoras, as quais muitas dizem diretamente respeito ao corpo e às escolhas delas, sem deixar que as mulheres participem.
O carnaval de rua é uma festa democrática e a população está com os nervos à flor da pele. Qual é a importância desse tipo de iniciativa num momento como esse?
O carnaval é muito democrático, diverso, que junta todo mundo. Além disso, é um momento em que as pessoas costumam se desarmar muito e espero que continue sendo dessa maneira, porque, assim, você pode se sensibilizar, despertar para outras coisas e simplesmente se divertir também. É ótimo que as pessoas possam relaxar um pouco para se abastecer de energia, e não só ficar abatido com esse monte de acontecimentos que apontam para um retrocesso tão significativo socialmente.
É um momento de leveza...
Acho que é um momento bacana de sensibilização, diversão e leveza. Nós temos que apostar que continuará sendo assim. A criatividade — seja na cultura, nas artes, na maneira de viver e de enfrentar os desafios, que não são poucos nesse momento —, encontra jeito. Ela vai encontrar lugar para fluir, assim como a água. Então, acho que o carnaval pode ajudar nesse sentido.
Em algum momento, de uns anos para cá, bateu um desânimo a ponto de você se questionar sobre motivos para colocar um bloco na rua?
Com certeza, 2018 foi de muita intolerância explícita e rachas familiares e entre amigos a partir de escolhas políticas. Eu, particularmente, pensei: ‘Meu Deus, como vamos fazer?’. Mas a música tem esse papel de agregar, de desarmar as pessoas. É aí que entramos em cena, nessa missão de juntar tantas diferenças. Acho que é o momento de a gente aceitar esse desafio de continuar sendo essa interface entre as diferenças. A gente não tem um público homogêneo. Essa diferença já existe.
Como vocês reagem a essas diferenças?
Cabe a gente ajudar, da nossa maneira, o nosso microcosmo. A convivência traz diferença e, evidentemente, agora falando da política e do social, é necessário apontar as coisas que a gente acha que são aberrações e se proteger. Mas as diferenças têm de conviver, com respeito aos limites e aos territórios de cada um.
Vocês desfilam e se apresentam em diferentes lugares. De que maneira o Monobloco se adapta a essas mudanças?
A estrutura pedagógica das oficinas que a gente leva é a mesma, porém, pessoas e cidades são diferentes. Então, fica uma construção musical em cima de um projeto pedagógico que o Monobloco vem desenvolvendo há 20 anos. O que a gente respeita é o nível técnico que as baterias alcançaram. Por exemplo, não podemos querer que a bateria de Belo Horizonte, com três anos, toque como a do Rio, que está junta há 20. São repertórios e metodologias semelhantes, mas respeitando as dinâmicas de cada cidade. Nós pegamos leigos e transformamos em músicos. E ficamos muito satisfeitos de ver como isso serve de exemplo para que outras pessoas desenvolvam suas próprias ideias de carnaval.
E sua relação com Brasília? O Monobloco tem uma legião de fãs na cidade.
Eu gosto muito de Brasília. A minha relação com Brasília, na verdade, é antiga. Vem de uma prima que se mudou com a família inteira. Então, eu tinha essa coisa de pensar: “Um dia, quero ir a esse lugar interessante, tão diferente, com uma arquitetura tão peculiar. Quando começo a ir a Brasília trabalhando, a minha admiração, antes longínqua, só aumenta. Todos os trabalhos que fiz na cidade — com A Parede, o projeto com Ney Matogrosso, além de trabalhos solo e participações em projetos — foram muito bem recebidos. O Monobloco já fez eventos incríveis em Brasília (leia Depoimento) e a gente considerou desenvolver uma oficina aí.