Há mais do que o idioma português unindo Brasil, Moçambique e Portugal. Outro elo é a cultura. Isso poderá ser visto hoje e amanhã, quando volta ao palco do Espaço Cultural Renato Russo o espetáculo Os netos de Gungunhana: Um desvio. Mais do que uma simples peça de teatro, o projeto prevê um intercâmbio entre atores e diretores dos três países em torno de um texto inspirado em obra de Mia Couto. Num primeiro momento, Os netos de Gungunhana: Um desvio foi apresentada em Lisboa. Agora, cumpre temporada em Brasília e segue para Maputo, capital moçambicana.
Além de viajar pelos países, o projeto inclui uma residência artística unindo as companhias O bando (Portugal), Teatro do Instante (Brasília) e Fundação Fernando Leite Couto (Moçambique). ;O texto que serve de base para os espetáculos é o mesmo, mas o grupo anfitrião traz um novo olhar, uma linguagem própria. No nosso caso, abrimos mão de uma narrativa linear e da ficção, nos centrando mais na história, com H maiúsculo e na performance, que é a nossa marca;, afirma Alice Estefânia, do Teatro do Instante. A atriz brasileira define a experiência como ;desafiadora e enriquecedora ao mesmo tempo;.
Integrante do grupo O bando, Raul Atalaia ressalta que ;a relação com os outros, a redescoberta das maneiras de ser, das culturas, dos outros está no centro desse projeto. Naturalmente que nos entendermos na mesma língua é um facilitador nas primeiras fases do projeto, mas o que mais nos une pode ser também o que facilmente mais no separa. Depende de cada membro da equipe aproveitar o que mais nos separa e o que mais nos une para produzir arte em que todos se revejam.;
Para o moçambicano Bruno Bento, as diferenças podem pautar Os netos de Gungunhana: Um desvio. ;Os momentos sociais e políticos vividos em cada geografia faz com que seja diferente também a importância que se dá a um ou outro assunto do objeto artístico. Há pontos de vista sobre as mesmas questões sociais ou políticas que são diferentes. Mas isso só acrescenta riqueza à linguagem do espetáculo, não permitindo que ele se torne bidimensional ou unidirecional;, comenta.
Produção cultural
O texto de Os netos de Gungunhana: Um desvio expõe uma ferida ainda aberta, especialmente em Moçambique e no Brasil: a colonização. Alice Estefânia destaca os ecos ainda escutados, explícitos no texto da peça. O reflexo aparece também na produção cultural dos três países. ;Em Portugal, conseguimos verba para todo o processo, aqui estamos na batalha, mas não sei se conseguiremos tudo. Em Moçambique, menos ainda. Os extremos vistos em todas as áreas, desde a colonização, se repetem na cultura;, afirma, com tristeza.
;Tenho a sensação de que quanto mais é óbvia a importância das expressões artísticas e da arte para o bem-estar dos povos, mais determinados estão os governos em reduzir as condições de trabalho e dos encontros com diferentes públicos pelos criadores;, critica Raul Atalaia.
Nascido em Moçambique, mas formado em Lisboa, onde desenvolveu a carreira de ator, Bruno Bento concorda com os colegas: ;não é difícil reconhecer que a atividade cultural em Moçambique ; apesar de se encontrar num momento bastante interessante de mudança e de maior produção ; enfrenta uma série de dificuldades econômicas que são transversais ao próprio país.;
Os netos de Gungunhana: Um desvio
Sala Multiuso do Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul). Sábado (26/1), às 20h; Domingo (27/1), às 19h. Ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.