Com mais de dez títulos na filmografia, o diretor japonês Kore-eda Hirokazu tem como marca a exploração sistemática das relações familiares, em casos extremamente complicados, como por exemplo, destacou em Pais e filhos (2013), em que uma troca de crianças agitava a narrativa.
Sete vezes presente nas diversas mostras do Festival de Cannes, foi, no ano passado, com este filme (Assunto de família) que estreia no circuito que Hirokazu faturou a almejada Palma de Ouro. O filme está cotado para disputar o Oscar, em fevereiro.
Antes de mais nada, vale destacar a impressionante capacidade não apenas emocional, mas de ritmo, oferecida pela música de Haruomi Hosono (numa mixagem absolutamente pertinente). É na cadância dela que o espectador é apresentado ao dia a dia de contravenções da
caótica família Shibata. Osamu (Lily Franky) ensina passos criminosos para o pequeno Shota (Iyo Kairi), à medida em compactuam os roubos de galinha em estabelecimentos de comidas, em supermercados e lojas diversificadas.
Na linha de Saint-Exupéry e seu "tu te tornas responsável pelo que cativa", os integrantes da família Shibata não tardam a a abrigar a jovem Yuri (Miyu Sasaki) sob o mesmo teto de uma casa já comprometida pelo excesso de gente. Entre a indiferença de uns, e o amor incondicional demonstrado pela vovó Hatsue (papel da sensível Kiki Kilin), Yuri foge do frio e do abandono ao qual tinha sido relegada. Abandonado cargas de moralismo, o cineasta consegue ativar uma carga de afinidade inesperada entre os tipos mostrados e o público.
Interessante é que, além de mostrar dilemas éticos de uma família muito particular, e ainda de coroar com crível carinho e ternura um núcleo social a princípio duro, o filme consiga refletir em torno de temas tão diversos como a contravenções em sistemas de aposentadoria e
o respeito aos mortos. Com isso, Kore-eda Hirokazu fica confirmado como grande narrador contemporâneo.