Numa coprodução entre as empresas brasilienses Gancho de Nuvem e Lumiô, o telefilme Fuga de Natal demarca mais um resultado positivo entre cinema e tevê locais, com um enredo que toca temas de esperança, na atração a ser exibida, hoje, depois do Jornal Hoje, na Rede Globo. ;Me impressiona a rapidez com que as obras saem do papel e chegam à telinha, com enorme amplitude de público, mesmo numa única exibição. Meu primeiro longa, A repartição do tempo, levou seis anos para ficar pronto e atingiu 3 mil espectadores nos cinemas. Meio expediente, meu primeiro telefilme, foi finalizado em menos de um ano e obteve audiência de 10 milhões de espectadores;, explica o corroteirista de Fuga de Natal, Santiago Dellape, que também leva a autoria de Davi Mattos e é dirigido por Gui Campos, o mesmo realizador do internacionalmente premiado curta Rosinha.
Com leve citação ao cineasta David Lynch e o seu Uma história real, o telefilme Fuga de Natal promete tratamento acessível, pela exibição à tarde. A convite, Gui Campos conduziu o filme em que fala de ;três idosos, na última etapa da existência, mas que esbanjam vida;. Selecionado também para o 39; Fantasporto (Porto, em Portugal), em fevereiro, o média-metragem destaca paisagens do Gama, do Núcleo Bandeirante e de Planaltina. Um trio de protagonistas é unido pela condição de ;forasteiro; que veio tentar a sorte em Brasília, e se relaciona aos moradores com mais de 60 anos que vivem na capital.
Interpretação
;O filme fala do amor que cada um dos três personagens desenvolve pela cidade a partir de suas experiências de vida. João Pedro (interpretado pelo ator João Antônio) é um legítimo candango, que trabalhou na construção do Palácio do Planalto. Um dos atores do elenco (Andrade Jr.), aliás, trabalhou na construção do Planalto, muito embora, no telefilme, ele interprete o papel de outro personagem inspirado na vida real: Pardal, uma homenagem ao lendário Perdiz, que há quatro décadas está à frente da oficina que leva seu nome e na qual, de dia, carros são consertados e, de noite, tudo é transformado em teatro;, conta o roteirista Santiago Dellape.
Em Fuga de Natal, Pardal propicia o reencontro de Leon (Chico Sant;anna) com o ofício de ator, que oferta reminiscências positivas. ;Há ainda a personagem da Judite (Paula Passos), que faz uma sutil referência ao Maestro Levino de Alcântara, responsável por formar uma imensa legião de músicos na Escola de Música de Brasília. Fuga de Natal guarda, portanto, essa relação visceral com Brasília e seus personagens históricos;, adianta Dellape.
Para ele, Fuga de Natal, ;acima de tudo;, é uma homenagem a Brasília, uma cidade que dentro em pouco se tornará sexagenária. ;Criamos um argumento que desse protagonismo à parcela significativa da população brasileira, que não para de crescer. O Brasil caminha para se tornar um país predominantemente idoso no futuro. Cabe a produções audiovisuais refletirem isso;, observa.
Na fita, pesam o abandono afetivo, a falta de reconhecimento, a busca pelo sentimento de completude e o entendimento de que a figura do idoso é merecedora de todo o nosso respeito e admiração, pelo que conta o roteirista. Vincular passado e presente, teve respaldo em imagens cedidas pelo Arquivo Público. ;O desejo de reencontro dos personagens com determinados lugares da cidade acaba por ensejar a trama de fuga. Leon tem uma baita surpresa quando descobre que o antigo teatro no Núcleo Bandeirante em que estreou como ator não existe mais ; e outra surpresa maior ainda quando percebe que a memória física daquele espaço não está perdida. João Pedro tem um momento de catarse enquanto busca pelas marcas que ele literalmente deixou no concreto da cidade (um hábito muito comum entre os Candangos que construíram Brasília) ; e nessa sequência o Arquivo Público do DF teve uma participação imprescindível, com imagens que deixam João, ao mesmo tempo, assombrado e mesmerizado por seu passado;, conta Dellape.
Como um presente de Natal, Fuga de Natal reforça o diálogo entre cinema e televisão, motivando artistas locais como Santiago Dellape. ;Há recente vocação da cidade para produtos televisivos, em grande parte, proporcionada pela Lei da TV Paga, que estabelece uma cota mínima de conteúdo nacional na TV a cabo, e por iniciativas pontuais de canais da tevê aberta. Isso deve ser muito comemorado por nós. Para que esse bom momento se prolongue, é preciso que o novo governo fortaleça nossa principal política de fomento a nível distrital, que é o Fundo de Apoio à Cultura (FAC), cujo último edital voltado ao Audiovisual premiou linhas de apoio à produção de telefilmes, séries e webséries;, conclui.
Duas perguntas// Gui Campos, diretor
Natal obrigatoriamente aponta para nostalgia?
Nosso filme traz uma questão da nostalgia especialmente por parte da personagem do João Pedro (o João Antônio, no filme), que é um dos pioneiros que construíram Brasília. Mas acho que o sentimento do Natal dialoga mais com a amizade, com uma vontade de fazer o bem, de estar em família. O filme dialoga com isso, sem deixar de lado a comédia.
Que tom temos nas músicas do filme que valorizam os artistas locais?
Usamos a trilha toda de artistas da cidade: Joe Silhueta, Muntchako, Saci W;r; (sendo integrante dela) e Chinelo de Couro. Eu acredito que a música inevitavelmente traz a paisagem interna do artista que a compôs, e essa paisagem interna é um reflexo grande também da paisagem externa. Então as músicas trazem muito de Brasília nelas, o ar seco, a mistura de diferentes culturas do nosso país, que acabam combinando muito bem com os três protagonistas, cada um vindo de uma parte e trazendo em si suas vivências.