Nahima Maciel
postado em 28/11/2018 07:10
Duas mães são as vozes que guiam Não. Ele não está, livro da pesquisadora e jornalista Maíra de Deus Brito sobre o extermínio de jovens negros no Brasil. Ana Paula e Aparecida (nome fictício) moram, respectivamente, em Manguinhos e em um bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Elas são o retrato de centenas de mães habitantes das periferias brasileiras. Maíra encontrou nas duas as narrativas que forma a base de Não. Ele não está.
A ideia de pesquisar a morte de jovens negros no Brasil teve início após o episódio trágico da morte do menino Eduardo de Jesus, assassinado por policiais, aos 10 anos, enquanto brincava na porta de casa, no Complexo do Alemão (Rio de Janeiro). ;Foi uma das mortes mais emblemáticas, que me fez pensar: a gente precisa falar sobre isso a partir da perspectiva de quem está ficando. E quem está ficando são as mães desses jovens;, conta Maíra.
Depois de fazer uma especialização em gestão de políticas públicas em gênero e raça, em 2014, a pesquisadora embarcou no mestrado em Direitos Humanos e Cidadania, na Universidade de Brasília (UnB), com a história de Ana Paula e Aparecida. Por meio de uma rede de contatos e da própria internet, ela chegou às duas mulheres. Aparecida perdeu o filho de 30 anos durante um tiroteio. Ela não sabe se foi a polícia, a milícia ou os traficantes que atiraram nas costas de Luciano (nome fictício). Ana Paula faz parte do grupo Mães de Manguinhos. Perdeu o filho Johnatha, de 19 anos, em maio de 2014, também durante uma troca de tiros.
Em Não. Ele não está, Maíra passa a palavra às duas personagens. O livro é, praticamente, um espaço de escuta intercalado com análises sociológicas e estatísticas sobre a situação dos jovens negros nas periferias brasileiras. Logo no início, a autora lembra que, entre 2005 e 2015, 318 mil jovens foram assassinados no Brasil. Em 2015, 47,9% das vítimas de assassinatos eram jovens e houve um aumento de 18,2% na taxa de homicídio de negros, número constrangedor ao ser comparado a uma queda de 12,2% na queda da mortalidade entre não negros.
Diferenças
Os números ficam ainda mais contundentes quando se trata das falas das mães. Em certo momento do livro, Aparecida questiona o porquê de a notícia da morte do filho de uma atriz durante um pega ilegal em túnel da Zona Sul carioca causa mais comoção que o assassinato de jovens negros nas favelas.
A autora conhecia bem os números, mas o trabalho de campo na periferia do Rio de Janeiro foi determinante. ;Apliquei o ditado de que palavra é prata e silêncio é ouro;, explica. ;Eu estava lá para ouvir. Sou uma mulher negra, de Brasília, não sei o que é viver em Manguinho, mas pude compreender.; Durante toda a escrita, Maíra insiste em duas palavras que vêm carregadas de um peso central para a pesquisa: extermínio e genocídio. ;O que está acontecendo com a população negra no Brasil é um genocídio. Se mata mais jovens negros e esses números são maiores do que em países em guerra;, lamenta, ao questionar a eficácia e a efetividade das políticas públicas para a área.
Não. Ele não está
De Maíra de Deus Brito. Appris Editora, 118 páginas. R$ 49. Lançamento nesta quarta-feira (28/11), às 19h, na Objeto Encontrado