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Diversão e Arte

Teresa Montero lança livro sobre lugares preferidos de Clarice Lispector

O livro é o registro de um projeto que Teresa desenvolve no Rio de Janeiro. Ela considera um projeto de cidadania



Quando Teresa Montero tinha 15 anos, a professora de língua portuguesa passou um texto de Clarice Lispector. Era o conto Laços de família. A vida dela nunca mais seria mesma. Sentiu estranhamento, perturbação e encantamento. Clarice se tornou um destino para Teresa. Ao fazer o mestrado em literatura, ela decidiu escrever a biografia da escritora: ;Se Clarice abriu o meu caminho, ela pode abrir os caminhos da vida de qualquer um;. A convite de um dos filhos de Clarice, Paulo Gurgel Valente, organizou várias antologias da autora de A paixão segundo G.H. E, agora, Teresa lança O Rio de Clarice ; Passeio afetivo pela cidade (Ed. Autêntica).

O livro é o registro de um projeto que Teresa desenvolve no Rio de Janeiro. Ela considera um projeto de cidadania. O olhar de Clarice a ensinou a amar o Rio de Janeiro e a Brasília. Há uma conexão Rio-Brasília, pois a autora visitou a capital modernista três vezes e escreveu os textos mais inspirados, reveladores e provocadores sobre a cidade: ;Brasília é um pacto que eu fiz com Deus;, escreveu Clarice. Os textos dela são acontecimentos metafísicos na vida dos leitores.

Foi até a Catedral Metropolitana para agradecer um prêmio de literatura, se extasiou com a música azul do Santuário Dom Bosco, reconheceu a cidade no sonho mais fundo. O seu olhar enriqueceu nossa percepção de Brasília. Nesta entrevista, Teresa fala das relações de Clarice com Brasília, o roteiro afetivo do Rio de Janeiro e a revelação de uma mulher solar, que circula pela cidade.

;Com certeza, o olhar de Clarice enriquece nossa relação com a cidade. Ela me ensinou a amar o Rio de Janeiro e Brasília. Eu só conhecia a Brasília da televisão, que passa no Jornal Nacional e fala sobre o Congresso Nacional. Brasília é bem mais do que isso;

Como foi a relação de Clarice com Brasília e qual a conexão com o Rio de Janeiro?
Clarice visitou Brasília três vezes. A primeira foi em 1962, era Brasília nascendo, era a cidade da terra vermelha, poucas pessoas circulando, uma cidade ainda não habitada. Ela escreveu um texto em que diz que a uma nova civilização ainda ocuparia a cidade. Diz que os arquitetos que construíram Brasília não quiseram produzir beleza; quiseram o espanto, o estado de choque. Brasília é diferente de tudo. Parecia que nem estava em uma cidade. Em 1974, ela volta e escreve o texto Brasília visão do esplendor.

Qual a diferença em relação ao texto da primeira visita?
O primeiro era visita ao ex-marido, ela veio com os filhos. E havia o contexto da ditadura militar. É um texto repleto de metáforas. Em uma entrevista, ela declarou que tudo o que disse era verdade, mas era simbólico. Brasília não tem esquinas, meu cachorro não poderia fazer pipi. Embora extasiada com a beleza da cidade, em vários momentos ela vai colocando como o período da ditadura a incomodava. É como se conversasse com a cidade, mas é altamente metafórico.

A imagem consagrada é a de que Clarice recebeu quase que mediunicamente o texto de Brasília. Até que ponto isso é verdadeiro?
Não sei dizer detalhes. O primeiro texto dela sobre Brasília é bem curtinho. Agora, na segunda visita, ela diz: ;Vomitei isso;. Depois, ela volta à cidade em 1976 para receber o Prêmio Brasília. Parece que era muita grana para a época, e em uma entrevista concedida a um jornalista, ela diz que se sentia culpada de receber tanto dinheiro enquanto muita gente passava fome.

Afinal, que lugares Clarice visitou em Brasília?
O escritor Marco Antonio Vilaça a encontrou na Catedral Metropolitana de Brasília. Ela disse que tinha ido lá agradecer o prêmio. Outro lugar que ela destaca é o Santuário Dom Bosco. Escreveu que parecia uma música azul. Criticou os lustres cafonas de novo-rico. Foi à biblioteca e viu os jovens namorando e estudando. E fez várias referências à genialidade de Oscar Niemeyer e Lucio Costa, dois arquitetos que construíram prédios com espaço para nuvens.

Como são os lugares preferidos por Clarice em Brasília?
Acho que tudo é muito subjetivo, é a Brasília que ela viu. É curioso. Tudo acompanhado da valsa de Strauss. Ela indica a trilha sonora para o leitor. Eu escolhi a Sinfonia da Alvorada para falar sobre o Rio e Brasília em minha palestra sobre Clarice quando estive aí .

Qual é o sentido do projeto de passeio afetivo pelos lugares cultivados por Clarice no Rio de Janeiro?
Esse passeio não é só para reverenciar esse legado de Clarice Lispector; é um projeto educacional. É o reconhecimento da cidade com um olhar mais amoroso. É um exercício de cidadania. A minha forma de andar pelo Rio é totalmente diferente por causa do olhar de Clarice.

Você acha que o olhar de Clarice enriquece nossa maneira de vivenciar o Rio ou Brasília?
Com certeza, essa foi a terceira vez que visitei Brasília. Fui a vários lugares mencionados por Clarice. Além disso, li as memórias de Oscar Niemeyer e a biografia de Juscelino, escrita por Claudio Bojunga. Sempre foi uma cidade que me intrigou muito. Fiquei apaixonada por Brasília. Quero conhecer mais. É uma cidade que tem muitas coisas interessantes. Nós que somos de fora só conhecemos o que sai no Jornal Nacional, que é o Congresso Nacional. Mas o olhar de Clarice aguçou a minha curiosidade e me fez amar Brasília.

Como foi o contato com Clarice Lispector?
Eu comecei como leitora nos tempos de estudante. Desde o momento em que tive contato com o primeiro texto de Clarice, fiquei impressionada. No curso de letras, foram fases até chegar a tomar a decisão de fazer um trabalho sobre ela. Falei: vou escrever a biografia dela. Só que, quando virei biógrafa, vi que é um compromisso, é muita responsabilidade. Até que cheguei a esse livro e ao projeto de passeio afetivo pela cidade. Passou a ter relação com a cidade. Não consegui mais me afastar da Clarice. Em 2001, organizei a correspondência dela, foi ideia do filho dela, Paulo Gurgel Valente.

E como o projeto do livro O Rio de Clarice foi criado?
Quando criei o projeto do passeio em 2008, imaginei que são sete caminhos, nem todo mundo pode vir ao Rio. Mas o guia em forma de livro cumpriria esse papel. Seria uma forma de expandir esse processo.

De quais lugares Clarice gostava mais?
A maioria deles está ligada na natureza, a Floresta da Tijuca, o Parque Lage ou o Jardim Botânico. Coincidentemente, tinha preferência pelo reino vegetal. Tem textos belíssimos sobre o Jardim Botânico, um lugar que libera os instintos. Para ela, o ato gratuito, o ato de liberdade dela era ir até o Jardim Botânico. Ela foi morar no bairro do Leme, que tem essa marca da natureza muito forte. O mar cercado de montanha e de pássaros.

Você diria que o livro revela uma Clarice solar, que veste maiô e vai com os filhos à praia?
Concordo, a gente imagina Clarice fechada no apartamento do Leme, escrevendo o tempo todo. Mas o livro revela que ela era uma mulher que circulava na cidade. Toda semana estava no Boticário, no Fiorentina no Leme. Todo sábado ia almoçar lá. O livro tem fotos inéditas. Numa delas, Clarice caminha na rua com o filho, segurando o jornal. Era escritora do bairro, da feira, do banho de mar.