Quando pensa na palavra apocalipse, o escritor Michel Laub imagina o fim de algo, mas também a possibilidade de um início, de uma nova perspectiva. É um pouco por aí que deve ser encarado Apocalipse?, o anuário publicado pela editora Todavia com o objetivo de reunir escritores brasileiros e estrangeiros em torno de um tema contemporâneo. Assinados por 44 autores, os textos e ilustrações vão da ficção ao ensaio, da poesia ao relato autobiográfico na tentativa de refletir sobre o que Laub, organizador junto com o editor André Conti, identifica como ;respostas possíveis a crises como as da democracia, da arte e de noções de indivíduo que não parecem caber mais no século 21;.
Em Londres, Zadie Smith se pergunta o que houve com a Grã-bretanha que escolheu sair da União Europeia. Na Palestina, a chilena Lina Meruane busca a própria identidade. A fronteira do México com os Estados Unidos é o cenário para Adriana Lisboa pensar sobre as separações de mundo que afetam o planeta e Paulo Scott tenta compreender e descrever a complexa relação entre as lideranças indígenas e os políticos no Sul do Brasil.
A ideia dos organizadores era fazer gravitar várias temáticas contemporâneas em torno de um tema central como forma de promover o debate. Alguns autores fazem parte do catálogo da editora, mas outros foram convidados. No caso dos estrangeiros, Laub foi atrás de textos que já existiam, mas ainda não estavam traduzidos, caso de Lina Meruane e Zadie Smith, dois nomes de destaque na produção contemporânea. ;O livro foi lançado agora e pegou essa coisa da eleição, mas foi feito antes;, explica o organizador. ;E como é um anuário tende a ficar menos imediato para que, daqui a um ano, dê para ler.;
Possibilidades
A distopia está presente em vários textos, mas não necessariamente em forma de ficção científica. Laub lembra que a distopia é uma espécie de metáfora e, no fundo, não deixa de ser uma crítica ao mundo atual. Assim como a utopia, que seria uma crítica positiva.
;Mas a gente não queria se limitar a falar de cenários exóticos. Estamos falando do aqui e agora e, às vezes, a distopia não precisa ter essa forma de ficção científica;, diz Laub. Ele lembra ainda que o mundo atual é muito heterogêneo e a variedade de entendimentos leva a uma dicotomia. ;Apocalipse, por exemplo, pode ser uma coisa para um e outra para outro. Cabe muita coisa nesse contexto;, avisa.
Tanta coisa que o anuário foi dividido em três partes: Mundos em extinção, Mundos em transformação e Novas vozes, novas verdades. Além dos ensaios, há poesia, ilustrações e quadrinhos. Elvira Vigna, por exemplo, vai de verso e cita Kafka e Ulisses em um texto extraído de seu Kafkianas, lançado postumamente.
Lourenço Mutarelli comparece com uma breve e perturbadora HQ e Nuno Ramos ilustra o mito grego de Cassandra, que ouvia as vozes dos deuses e podia prever o futuro, mas foi amaldiçoada por Apolo com a falta de credibilidade. Ela avisou que Troia seria invadida, mas ninguém acreditou. Sobraram escombros e uma população escravizada pelos gregos.